Do UOL – Gerson de Melo Machado, 19, tinha contra si uma ordem de internação imposta pela Justiça pelo crime de dano qualificado, expedida exatamente um mês antes de ele invadir a jaula da leoa Leona, no zoológico de João Pessoa, onde acabou morto no domingo (30). A Justiça chegou a prender o jovem esquizofrênico no dia 24, mas a juíza da audiência de custódia resolveu liberá-lo no dia seguinte, sem determinar internação.
A sentença determinando a medida de segurança, datada de 30 de outubro, foi dada pelo juiz Rodrigo Marques Silva Lima, da 6ª Vara Criminal da Paraíba, que mandou interná-lo no “Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou estabelecimento adequado”.
Um detalhe importante é que, segundo a Defensoria Pública do Estado, o hospital citado não recebe custodiados desde 2024, em cumprimento à Política Antimanicomial, que determinou o fechamento dos manicômios judiciários no país. Hoje, não há mais unidades destinadas a pessoas com deficiência intelectual na Paraíba.
Mesmo assim, no dia seguinte à decisão, um oficial de Justiça foi à Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega (Presídio do Roger), em João Pessoa, onde Gerson já havia ficado preso, para intimá-lo da decisão sobre a internação, mas descobriu que ele já não estava mais ali.
No dia 14, uma nova tentativa de localizá-lo foi feita na Casa de Acolhimento Manaíra, onde ele viveu quando menor de idade, mas também não havia informações sobre seu paradeiro. Uma nova intimação de Gerson foi expedida nesta segunda-feira (1º), um dia após sua morte.
Por causa desse processo, Gerson chegou a ficar preso por cinco meses, desde o flagrante do dia 5 de janeiro até a revogação, em 5 de junho, quando a denúncia de dano qualificado foi recebida pela Justiça.

A Justiça, porém, voltou a prendê-lo no último dia 24, após ele arremessar um paralelepípedo em uma viatura policial.
Na audiência de custódia do dia seguinte, a juíza Michelini de Oliveira Dantas Jatobá, da 1ª Vara Regional de Garantias de João Pessoa, ignorou a ordem de internação e liberou Gerson, encaminhando-o para tratamento psiquiátrico em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que não realiza internações de longo prazo.
Ela concedeu liberdade provisória, sob a condição de que ele retornasse ao tratamento psiquiátrico compulsório. A juíza entendeu que Gerson tinha um “quadro de saúde mental fragilizado”.
Avaliações de uma equipe técnica e de profissionais de psicologia constataram a existência de transtornos psicológicos graves, com ‘delírios interpretativos, alucinações, pensamento desorganizado, afeto raso e discurso vago’.
Segundo informou a Secretaria Municipal de Saúde, Gerson já era acompanhado por um Caps desde 26 de dezembro de 2024, mas tinha “dificuldade em aderir ao tratamento”, segundo Janaina D’Emery, diretora do Caps Caminhar.
Ela relata que, na quinta-feira passada (27), ele chegou a comparecer ao Caps, mas não retornou no dia seguinte, como solicitado.

“Em junho, ele voltou [após a prisão], depois desapareceu de novo e, quando fomos buscar informações, ele estava em um hospital psiquiátrico em Recife. Ele chegou na semana passada e veio direto ao serviço, onde o acolhemos novamente e ofertamos o tratamento para continuidade”, conta Janaína.
A decisão da juíza Michelini foi contrária ao entendimento do juiz Rodrigo, que havia destacado a gravidade da esquizofrenia. “Os episódios de agressividade e risco social noticiados nos autos indicam que o tratamento ambulatorial seria insuficiente para conter o ímpeto perigoso do réu e para garantir a eficácia do tratamento psiquiátrico inicial”, disse o juiz.
A internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é a medida mais adequada para resguardar a ordem pública e, principalmente, assegurar a Gerson de Melo Machado o tratamento médico-psiquiátrico intensivo e supervisionado de que necessita, em observância ao princípio da mínima intervenção penal e da dignidade da pessoa humana.
Os registros processuais de Gerson confirmam um histórico psiquiátrico complexo, incluindo acompanhamento médico desde os 7 anos, internações prévias e predisposição genética —a mãe e a avó são esquizofrênicas.
Ele respondeu a diversos processos, mas já tinha declarações de inimputabilidade em casos anteriores. Na própria audiência de custódia, a juíza registrou que ele demonstrava “acentuada instabilidade psíquica” e “admitiu que persistiria na prática de atos danosos até que sua aposentadoria saísse”.
A decisão da juíza também determinou a atuação da rede de proteção social, solicitando:
Uma avaliação biopsicossocial urgente, a fim de que sejam adotadas as providências necessárias para viabilizar a inserção do custodiado em processo de requerimento de benefício previdenciário, notadamente aposentadoria por incapacidade, considerando os laudos acostados aos autos que atestam sua inimputabilidade e impossibilidade laboral.
A coluna questionou o Tribunal de Justiça da Paraíba se houve alguma falha de comunicação que explicasse por que a juíza da audiência de custódia libertou Gerson, mesmo havendo uma decisão de internação, mas não houve resposta até o momento.
A defensora pública Aline Sales, uma das que atuaram no caso de Gerson, afirma que a decisão de internação foi equivocada, já que a lei atual prioriza o cuidado em liberdade e o acompanhamento pela Raps (Rede de Atenção Psicossocial).








