Do Metrópoles – Mensagens de um grupo de WhatsApp formado por mais de 500 promotores e procuradores da ativa e aposentados do Ministério Público de São Paulo (MPSP) expõem a briga pelo pagamento de penduricalhos, a ciumeira com carros de luxo de desembargadores e a ira contra um colega que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o pagamento de um benefício que turbinou os contracheques da carreira.
Nos diálogos obtidos pelo Metrópoles, membros do MPSP reclamam de estar em uma “classe social inferior” à dos magistrados e dizem que os penduricalhos — valores pagos além do salário como verbas indenizatórias — são uma “defesa contra o arrocho salarial”. “Eu só quero pagar minhas contas”, escreveu um deles.
O grupo no WhatsApp leva o nome “Equiparação Já” e fomenta duas reivindicações centrais de promotores e procuradores. A primeira é equiparar seus vencimentos aos dos magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o que consideram uma disparidade inconstitucional. A segunda está relacionada à equiparação entre os pagamentos a membros da ativa e os aposentados do MPSP.
Entre os integrantes do grupo há membro do Ministério Público paulista que recebeu R$ 67 mil líquidos somente em agosto deste ano e mais de R$ 100 mil em dezembro de 2024, de gratificação natalina e verbas indenizatórias.
“Vc já passeou de Porsche hj?”
Entre os membros do MPSP mais atuantes no grupo da “equiparação” salarial está o procurador Marcio Sergio Christino. No sábado (20/9), por exemplo, ele perguntou de forma irônica aos outros membros se eles já haviam passeado de Porsche naquele dia. Depois, reclamou do “desnível financeiro e social” dos representantes do Ministério Público em relação à magistratura.
“Você já passeou de Porsche hj? Parece que ficamos acostumados com o desnível financeiro e social que nos colocamos em relação à magis”, escreveu Christino, referindo-se à magistratura. “Desembargador amigo está uma foto dele andando de Porsche pela Rodovia dos Bandeirantes com o teto solar aberto. Isto me lembrou do almoço onde eles (desembargadores) discutiam justamente isso. E lembravam que os três comensais haviam comprado o mesmo carro”, completou ele.
No dia seguinte, o procurador voltou ao grupo, lamentou a proximidade financeira dos membros do MPSP, que são os promotores e procuradores, com “funcionários” do órgão, como os analistas. E relembrou o caso dos Porsches.
“Vocês sabiam que percentualmente a diferença entre nós e os desembargadores é maior que a diferença entre nós e os analistas? Ou seja, estamos mais perto de sermos vistos financeiramente como funcionários do que como iguais”, disse. “Isto confirma o que eu havia dito antes: agora estamos em uma classe social inferior. E isto não é eventual, é estrutural. Bom domingo, com ou sem Porsche”, acrescentou.
A conversa sobre os carros de luxo continuaram durante a semana e receberam o apoio de outra procuradora, Valéria Maiolini, que fez o relato de um juiz que acabava de comprar seu terceiro carro de colecionador, acumulando R$ 1 milhão em veículos caros, enquanto os membros do MPSP brigavam “para receber o mínimo”.
“Inacreditável o que estamos vivendo! Um conhecido meu juiz acabou de comprar o terceiro carro de colecionador! Mais de 1 milhão só em carros de colecionadores para ficar na garagem e sair só final de semana!”, exclamou a procuradora, que foi procurada por telefone e WhatsApp, mas não respondeu à reportagem.
Outro membro do MPSP chamado Leonardo — ele não quis se identificar ao ser contatado com a reportagem — disse que precisava dos auxílios e benefícios pagos além do salário para “pagar as contas”. “Eu nem quero um Porsche. Eu só quero pagar minhas contas”, pontuou.
O procurador Márcio Christino respondeu lembrando da mensagem que enviou sobre os Porsches e completou com outro comentário, dizendo que o vencimento dos membros do MPSP estava se equiparando ao salário pago no “magistério”. Em seguida, ele faz um trocadilho ao apelido “magis” dado à carreira dos “magistrados” para se referir aos professores.
“E pior, não há mudança de perspectiva à vista, estamos nos tornando igual a Magis… Magistério”, respondeu o procurador.
Procurado pela reportagem, Márcio Christino disse, inicialmente, que não lembrava das mensagens e acusou suposta adulteração das conversas. Depois, disse se tratar de consequências de uma “disputa eleitoral”, já que ele é candidato ao Conselho Superior do Ministério Público, que terá eleições em dezembro (veja abaixo o posicionamento dele).
Um dos administradores do grupo, o procurador Luiz Faggioni disse que dirige um carro popular. O comentário seria uma ironia com os desembargadores e não expressaria o desejo dele de andar de Porsche.
“A gente tem um monte de dinheiro atrasado que a gente nunca recebeu. E é uma gozação porque a magistratura está recebendo”, explicou Faggioni ao Metrópoles. “A gente tem um salário que para a sociedade brasileira é excelente, mas a gente estava brincando com essa disparidade entre duas carreiras que teoricamente, pela Constituição, têm que ganhar o mesmo valor”, acrescentou.
Tanto Christino quanto Faggioni receberam mais de R$ 100 mil em dezembro e, nos últimos nove meses, tiveram média salarial de mais de R$ 70 mil.
Penduricalho milionário
Como mostrou o Metrópoles em abril, nos últimos anos, Ministérios Públicos estaduais em todo o país têm autorizado o pagamento do acúmulo de acervo após o Conselho Nacional da categoria (CNMP) ter decidido, em 2022, que promotores têm direito ao pagamento retroativo do penduricalho relativo ao período entre 2015 e 2023. O acumulado desses anos provocou o pagamento de verdadeiras boladas de até mais de R$ 1 milhão por promotor nos MPs estaduais.
Esse foi um dos pagamentos que foram objeto da ação no STF movida por um promotor que queria barrar seu empenho e devolvê-lo. Os promotores e procuradores do grupo de WhatsApp justificaram, mais de uma vez, nas mensagens obtidas pelo Metrópoles que o pagamento era um direito e que deveriam recebê-lo já que em outros estados os MPs já haviam executado.
Somente em 2023, 90% dos promotores e procuradores receberam mais do que R$ 46,3 mil por mês, valor que representa o teto do funcionalismo no Brasil. Dados da plataforma DadosJus, da Transparência Brasil, mostram que, no ano passado, membros dos MPs chegaram a ganhar mais de R$ 800 mil em um único mês.














