Por Ricardo Antunes — Numa atitude rara, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) vai rejeitar integralmente todas as alterações feitas pela Câmara dos Deputados no projeto de lei, originário da Casa, que prorroga até dezembro de 2027 a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e estende o benefício aos municípios. O sonoro “não” foi lido hoje pelo relator, Angelo Coronel (PSD-BA), mas pedido de vistas adiou a votação do seu parecer para terça-feira.
O PL 334/2023 lido por Coronel determina que, em vez de recolherem 20% dos salários dos seus trabalhadores à Previdência Social, os 17 setores contribuirão com alíquotas entre 1% e 4% sobre a receita bruta. Os municípios com população inferior a 142.633 habitantes – mais de três mil – passam a recolher 8% de alíquota previdenciária do seu funcionalismo, ao invés dos 20% atuais, reduzindo em 60% suas despesas com a contribuição ao INSS.
O parecer do senador baiano retoma o texto original do Senado. Como foi aprovado em 20 de junho na CAE por ampla margem (14 votos a 5), nada indica que o placar será revertido na terça-feira.
Como o PL 334/2013 não volta mais à Câmara, já que o projeto substitutivo que veio de lá deve ser vetado na íntegra, seguirá ao exame final do plenário do Senado depois de votado na CAE. Há pressa na sanção presidencial, pois a desoneração da folha de pessoal, renovada há 12 anos, acaba em dezembro.
A pressa é impulsionada por forte lobby das empresas dos 17 setores, incluindo a TV Globo, uma das beneficiárias da desoneração da folha de pagamentos. É possível, por isso, que entre na pauta do plenário do Senado na própria terça-feira ou no dia seguinte. É bastante votar na CAE, depois da aprovação do parecer de Coronel, requerimento de urgência na terça-feira.
REJEIÇÃO TOTAL
Angelo Coronel, que tinha sido o relator original na primeira votação na Comissão, em 20 de junho, quando esticou a desoneração aos municípios, abrindo um rombo de R$ 9 bilhões anuais na arrecadação da Previdência Social, leu hoje seu parecer rejeitando todas as alterações da Câmara. “Manifestamo-nos pela rejeição total do substitutivo da Câmara dos Deputados”, encerrou ele.

QUATRO MUDANÇAS
A Câmara havia aprovado quatro mudanças no texto que saiu do Senado: a) reduziu em um ponto porcentual, de 2% para 1%, a taxação da receita bruta do transporte coletivo de passageiros como contribuição à Previdência; b) alterou os critérios da desoneração para as prefeituras, escalonando as alíquotas previdenciárias entre 8% e 18% conforme o PIB per capita dos municípios; c) estabeleceu na prática a vigência da desoneração dos municípios para março de 2024; d) mexeu no método de monitoramento e de avaliação do impacto da desoneração.
TRAMITAÇÃO EM TEMPO
Tudo isto vai ruir e o projeto do Senado, de autoria de Efraim Filho (União-PB), apresentado em 7 de fevereiro último, deve ser aprovado em oito meses de tramitação nas duas Casas do Congresso e dois meses antes de expirar o benefício.
ARGUMENTAÇÃO CONTESTADA
A argumentação para a renovação da desoneração até dezembro de 2027, tanto no Senado quanto na Câmara, é de que os 17 setores beneficiados são grandes absorvedores de mão de obra e os empregos por ele mantidos seriam preservados. Estudo do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), divulgado pela coluna em 12 de setembro, prova o contrário.
DEMISSÕES
Com base na PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, o IPEA informa que nenhum dos 17 segmentos beneficiados figura entre os sete setores que concentravam, no ano passado, mais da metade (52,4%) dos trabalhadores do país. Diz mais: entre 2012 e 2022, os 17 setores reduziram suas participações nos totais de trabalhadores ocupados, de 20,1% para 18,9%. Ou seja: demitiram.

ABENÇOADOS
Os 17 segmentos da atividade econômica abençoados são confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, TI (tecnologia da informação), TIC (tecnologia de comunicação), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
CRIME DE GUERRA
O ataque a um hospital em Gaza, que resultou na morte de pelo menos 500 pessoas, foi classificado pelo Hamas como um “crime de guerra” e eles acusaram Israel de autoria. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional proíbe intencionalmente ataques a hospitais e outros edifícios não militares. Se for confirmado como um crime de guerra, os responsáveis podem ser levados a julgamento em Haia, na Holanda.
PALCO
Propor indiciamento penal é tarefa de toda CPI. Mas daí ao Ministério Público Federal aceitar vai uma enorme distância. A penúltima sessão da CPMI do 8 de janeiro, hoje, foi o palco esperado, com governistas e opositores em busca dos holofotes. A situação, na figura da relatora Eliziane Gama (PSD-MA), propôs indiciar 61 pessoas, incluindo o ex-presidente Bolsonaro. A oposição sugeriu indiciar bem menos gente, mas incluiu na sua lista o presidente Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino.
NARRATIVAS
Nem Bolsonaro, com todo o notório apetite por mudar as regras do jogo para se manter no poder, mas sem medidas concretas para tal, nem Dino e muito menos Lula deverão ser denunciados pelo MPF. A CPMI não apresentou provas concretas de que o ex-presidente, por abolição violenta do Estado democrático, e o presidente atual e o ministro da Justiça, por omissão, sejam responsáveis diretos pelo vandalismo daquele dia fatídico. Foi tudo narrativa na CPMI – essa sim, não a de Lula sobre a ditadura na Venezuela. Simples assim.

VICE TOLHIDO
A dúvida da coluna, ontem, tinha razão de existir. Arthur Lira (PP-AL), ainda em viagem ao exterior, não permitiu que seu vice, Marcos Pereira (Republicanos-SP), conduzisse hoje a votação do projeto de taxação dos fundos offshore, um tema sensível. Pereira, coitado, convocou a sessão plenária, sentou na cadeira da presidência, mas não votou absolutamente nada – nem sequer dois decretos legislativos, os itens de votação mais fácil tanto na Câmara quando no Senado.
CARAVANA
O ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, prossegue com a Caravana dos Direitos Humanos em Pernambuco. Ele se reuniu com o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Luiz Carlos Figueirêdo, e representantes do Complexo Prisional do Curado. O ministro visitou presídios, e debateu medidas para reduzir a superlotação carcerária.
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