*Por Romildo Gastão — Através da arte os povos contam sua história. A obra de arte, por sua natureza psicológica, é carregada de um forte sentimento de emoção como alegria, euforia, tristeza, gratidão, raiva, revolta ou protesto do seu criador no momento de sua idealização e execução. É natural que por mais técnico e comercial que seja o artista, seus sentimentos íntimos sempre serão extravasados nas linhas, figuras e cores das obras artísticas, quando é revelada a energia espiritual e a história de vida do artista e do ambiente em que está inserido. Também a reclusão é um fator que alimenta a introspecção, que é uma condição natural do processo criativo do artista. Por essa razão, uma obra de arte é única e nunca será um produto de consumo fabricado em série que sai da linha de montagem de uma máquina.
Na história da Arte, as guerras, catástrofes e doenças que a humanidade já vivenciou e superou no decorrer de sua existência, produziu grandes obras primas da pintura, a exemplo de A Rendição de Brenda, de Diego Velasquez, da pintura Guernica, de Pablo Picasso, O Grito, de Edward Munch, a pintura Liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix, do painel Guerra e Paz, de Cândido Portinari e da obra Independência ou Morte, de Pedro Américo, que exalta a independência do Brasil. Recentemente, já em tempos de coronavírus, o artista inglês David Hickney, produziu uma série de pinturas de árvores frutíferas em flor. No Brasil, com a coordenação do artista Nuno Ramos, recentemente foi realizada em São Paulo uma carreata em marcha a ré em cortejo fúnebre para homenagear os mortos pelo COVID-19.

Na literatura, as pandemias são relatadas em livros clássicos de ficção como A Peste, de Albert Camus, que conta a história da chegada de uma epidemia a uma cidade; Decameron, de Boccácio, que relata a história de um grupo de jovens que se abrigam em uma vila isolada para fugir da peste negra; e o Ensaio sobre a Cegueira, de José Samarago, que conta a história da epidemia de cegueira que se espalha por uma cidade, causando um grande colapso na vida das pessoas e abalando as estruturas sociais.
A humanidade vive hoje um momento especial, provocado pela quarentena, isolamento social, solidão e incerteza. Além da redução ou paralisação do trabalho em algumas atividades, que provocou uma grave crise econômica e está mudando os hábitos das pessoas. Por essa razão o ser humano reflete e pensa sobre seu futuro, alternando momento de dúvidas, apreensão, insegurança e euforia, com um amanhã que pode ser melhor ou pior do que foi ontem e é hoje. É uma realidade fecunda e rica para as mentes mais criativas que tem seu processo criativo de trabalho na realidade e circunstância que o cerca, que o envolve social, econômica e culturalmente.

O isolamento social e profissional sem precedentes em escala global que vivenciamos por causa do coronavírus, pode ser um momento para estimular em grande proporção uma criatividade artística igualmente surpreendente. Por outro lado, penso que o artista, por sua natureza psicológica questionadora e sonhadora, tende a produzir mais e melhor quando está sobre forte pressão emocional. Uma realidade que oprime, sufoca e cria um sentimento de revolta e rebelião, é um combustível que faz o artista ter um trabalho mais vigoroso e verdadeiro. É assim que acontece na história da arte de todos os povos em todas as épocas.
É possível ao artista extrair a matéria prima do seu trabalho das informações que recebe das pessoas mais próximas no ambiente familiar e no ambiente social; também dos meios de comunicação, principalmente das redes sociais que nos bombardeiam a todo momento de maneira leviana e irresponsável com informações contraditórias de aconselhamento sobre todos os assuntos: de receitas médicas milagrosas, alimentação, normas de comportamento e cuidados com o corpo e a mente, além da difusão de ideologias políticas e de credos religiosos. Ficamos com a sensação que a globalização das informações on line proporcionadas pelas redes sociais, resolve os nossos problemas em todas as áreas como em um passe de mágica. Certamente, qualquer pessoa enlouqueceria se lesse e levasse a sério tudo que foi publicado até agora sobre o coronavírus nas redes sociais.

No entanto não posso deixar de reconhecer a importância que as redes sociais estão desempenhando nesse momento de isolamento das pessoas e na transformação das experiências artísticas de produção e consumo da arte. Lógico que a curto prazo é impossível dimensionar o impacto das redes sociais sobre o mundo da arte. Hoje, em qualquer cidade do mundo, o cidadão pode ter acesso a coleção de arte dos grandes museus. Bem como as informações sobre arte é on line a partir da nossa casa. Outro avanço é que os artistas estão utilizando a internet para ter suas lojas virtuais e sem intermediação das galerias, comercializar o seu trabalho com custos menores.
Sendo assim, entendo que a realidade atual proporciona os ingredientes que os artistas necessitam para fazer suas pinturas, suas esculturas, gravuras, performances e fotografia. É importante que esse momento histórico da humanidade seja registrado através do testemunho de todas as formas de manifestação da Arte.
![]() *Romildo Gastão é curador e colecionador. |