Do Globo — Que ninguém se espante ao saber que o cantor, compositor e violonista pernambucano Geraldo Azevedo, um dos nomes mais ativos da MPB (desses que não param de lançar músicas no streaming, de participar de faixas de outros e de correr o Brasil com diferentes shows), acordou este sábado com 80 anos. Quer dizer: que ninguém se espante com isso mais do que o próprio aniversariante — afinal, em sua cabeça, ele não tem mais que sessentinha.
— Sou muito devagar. Tanto que o meu primeiro sucesso, “Caravana” (da trilha da novela “Gabriela”, em 1975), só aconteceu quando eu já tinha 30 anos — recorda-se Geraldo, em entrevista em sua casa, no bairro carioca do Cosme Velho. — Não me preocupei muito com o tempo, só comecei a fazer aula de canto depois dos 70. Não tenho muito essa noção de que o tempo passa. Outro dia fui para uma aula depois de uma farra, com a voz ruim, e o professor disse: “Quero saber quando é que vai acabar essa sua adolescência!”
Na última quinta-feira, uma surpresa: pouco antes da entrevista, chega a sua casa a irmã, Gracilda (os dois são os únicos dos cinco irmãos ainda vivos). É com a família que Geraldo passa o aniversário, antes de voltar à rotina de shows (na próxima quinta, ele se apresenta só com voz e violão no projeto Quintas no BNDES, no Centro do Rio) e de lançamentos (este ano soltará um frevo para o carnaval e um álbum de inéditas):
— Tenho muito prazer em compor, mas o prazer maior é levar essas músicas novas para as pessoas.

Nascido em Jatobá, região de Petrolina, à beira do Rio São Francisco, Geraldo cresceu em ambiente rural, entre serestas e forró, que tentava reproduzir no violão presentado pelo pai. Nas incursões de jegue pelo Centro da cidade, ele tentava aprender mais, de olho nos violonistas experientes, e descobriu a paixão pela música orquestral de cinema e pela bossa nova. Aos 16 anos, conheceu João Gilberto, ilustre filho de Juazeiro, cidade baiana que se vê na outra margem do rio.
— Um amigo dele nos apresentou: “Olha, João, o cara de que eu falei, o menino que toca violão.” Ficamos de nos encontrar para tocar, mas à noite o pai dele morreu e nosso encontro foi por água abaixo — conta. — Muito tempo depois, quando eu estava gravando “Berekekê” (disco de 1991), um amigo vem com um telefone e diz: “Tem um cara querendo falar com você.” Era o João, perguntando como eu tinha feito a música “Barcarola”. E eu: “Foi ouvindo você e o Rio São Francisco.” Falamos até a bateria acabar e ele me deu um número para combinarmos um jantar. Liguei umas cinco, seis vezes, e o João nunca atendeu (risos).
Aos 18, Geraldo foi para Recife, onde conheceu o percussionista Naná Vasconcelos e os músicos do Quinteto Violado. Na TV de lá, foi visto pela cantora Eliana Pittman, que o chamou para vir acompanhá-la no Rio em seu show solo. Aos 21 anos, lançou-se na aventura. Morando em Copacabana, conviveu com Milton Nascimento e os músicos do Clube da Esquina. Cheio de si, fez teste para ser violonista de Nara Leão — e não passou. Mas logo juntou-se a Naná para acompanhar Geraldo Vandré no show que este fez logo depois de estourar no festival com “Para não dizer que não falei das flores”.
A ditadura logo iria bater na porta do violonista, um simpatizante da esquerda. A primeira prisão foi em 1969: ele passou 40 dias na Ilha das Cobras. Na segunda vez, em 1975, foram seis dias no quartel da Rua Barão de Mesquita — o mesmo onde, em 71, havia sido assassinado o ex-deputado Rubens Paiva (história que o Brasil revive no filme “Ainda estou aqui”).
— Lavei um pouco a alma assistindo aquele filme. Eu estou ali, eu faço parte dessa história. A gente estava encapuzado, mas ouvia tudo, inclusive que eles tinham matado o (líder sindical, dado como desaparecido) Armando Frutuoso. Por causa disso, pararam até de bater na gente — relata Geraldo, que sofreu choques elétricos. — Foi nessa época que me veio a decisão de seguir com a música, porque até então eu ainda sonhava em voltar para o Recife e fazer vestibular para Arquitetura ou Engenharia. Resolvi que ia fazer de tudo para ficar famoso. Sempre que acontecia alguma coisa com Chico Buarque, ele era intimado. Eu queria ser famoso para ser intimado, porque eu era sempre sequestrado.

O Grande Encontro
E o sucesso veio, com “Caravana”, e depois em 1979 com o LP “Bicho de sete cabeças”, de hits como a faixa-título e “Táxi lunar” (parceria com os amigos Alceu Valença e Zé Ramalho, aos quais viria a se juntar novamente, nos anos 1990 — ao lado também de Elba Ramalho — no Grande Encontro, projeto com o qual segue até hoje).
Depois foi a vez de Geraldo estourar com “Dia branco” (parceria com Renato Rocha), outra dessas músicas que sempre têm que cantar, junto com outras como “Canta coração”, “Moça bonita” e “Dona da minha cabeça”.
— Ano passado fui contratado para fazer uma festa de 20 anos de casado, de um casal que se casou por causa de “Dia branco”! — admira-se o artista. — Fiz essa música inspirado por aquele disco triplo de George Harrison (“All things must pass”, de 1970), o clima musical saiu dali.