Blog do Acervo, do O Globo – Os banhistas de uma praia em Bertioga, no Litoral de São Paulo, avistaram um corpo boiando no mar e fizeram muito esforço para tirar aquele homem da água. Os socorristas foram chamados às pressas para tentar salvá-lo, mas não deu tempo. Naquela quarta-feira, dia 7 de fevereiro de 1979, o alemão identificado como Wolfgang Gerhardt foi declarado morto por um mau súbito seguido de afogamento.
Quase ninguém deu atenção para o caso, mas, seis anos depois, quando foi descoberto o verdadeiro nome do estrangeiro morto, os grandes jornais do mundo inteiro estamparam a notícia da morte em suas primeiras páginas. Aquele era ninguém menos que o médico nazista Josef Mengele, um dos assassinos mais procurados do planeta pelos crimes em série homicídios contra judeus e ciganos.
Depois da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, Mengele fugiu da Europa de navio para a América do Sul. Ele morreu na Argentina, no Paraguai e passou quase 20 anos, incógnito, no interior de São Paulo. O período em terras brasileiras é o tema do recém-lançado “Baviera Tropical” (Todavia), da jornalista Betina Anton, que conta tudo sobre a vida secreta do chamado “anjo da morte”.
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Mengele se filiou ao Partido Nazista em 1938 e, nos primeiros anos da guerra, prestou serviço militar socorrendo soldados no campo de batalha, até que seu próprio foi gravemente ferido, em 1942. No ano seguinte, quando Adolf Hitler já tinha determinado o massacre dos Judeus nos territórios ocupados, Mengele se tornou médico-chefe do campo de trabalho e extermínio de Auschwitz, na Polônia.
O “anjo da morte” era um dos principais responsáveis por selecionar os prisioneiros que estavam aptos para o trabalho e mandar todos os outros para a câmara de gás. Diferentemente de vários colegas, Mengele gostava da função de enviar milhares de pessoas para a morte. Relatos dão conta de que, enquanto muitos médicos ficaram estressados ao cumprir essa tarefa, ele se divertiu.
Mas o que se tornou o médico famoso em todo o mundo foram os experimentos monstruosos com seres humanos. Mesmo antes da guerra, Mengele, que tinha doutorado em Antropologia, já era um adepto da limpeza racial e da eugenia e se dedicava a pesquisas genéticas. Em Auschwitz, ele transferiu milhares de experimentos utilizando irmãos gêmeos como cobaias.
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Muitas vezes, o médico infectava suas vítimas com bactérias ou outras substâncias que causavam sofrimento e morte. Mengele era um homem sádico que realizou cirurgias de retirada de órgãos sem anestesia e chegou a costurar dois irmãos pelas costas com o objetivo absurdo de formar gêmeos siameses. As vítimas passaram semanas em agonia até morrerem por infecção.
Depois da Segunda Guerra, o nazista fugiu para a América do Sul e chegou a viver na Argentina com seu nome verdadeiro, mas mudou para o Paraguai quando a Alemanha pediu sua extradição.
Depois, em 1960, o ex-líder nazista Aldof Eichmann, que também vivia na Argentina, foi capturado por agentes do Mossad, o serviço de inteligência de Israel, e levado para julgamento em Jerusalém, onde seria condenado a morrer na força, em 1962 Foi depois do rapto de sua “colega” nazista que Mengele decidiu fugir para o Brasil, onde passou a viver com o nome falso Peter Hochbichler (ou “seu Pedro”).
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O livro “Baviera Tropical” conta como um criminoso de guerra viveu em território brasileiro por quase 20 anos, com ajuda de nazistas que moravam no país ou levando pessoas a crer que ele era um simples imigrante alemão. Um de seus cúmplices foi o verdadeiro Wolfgang Gerhardt, que deixou Mengele usar seus documentos quando voltou a morar na Áustria, em meados dos anos 1970.
A obra recém-lançada descrita por Betina Anton descreveu o momento em que agentes do Mossad localizaram o médico Mengele no interior de São Paulo. Eles estavam elaborando um plano para raptar o alemão, assim como fizeram com Eichmann, mas foram chamados de volta para Israel às pressas, em meio a uma crise com o Egito, e abandonaram o objetivo de levar o “anjo da morte” ao julgamento.
Mengele morreu em diferentes fazendas de São Paulo até morrer afogado em Bertioga, no verão de 1979. Seis anos depois, o nazista ainda era considerado vivo e continuava sendo procurado. Havia até recompensas volumosas oferecidas a quem essas informações sobre ele. Foi então que sua família revelou ao governo alemão que o médico foi enterrado em um cemitério no Brasil.
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Prontamente, todas as atenções se voltaram para o túmulo do suposto Wolfgang Gerhard, na cidade de Embu, a 20 quilômetros da capital paulistana. Um grande circo formado por jornalistas, consultores estrangeiros e curiosos acompanhou a exumação do corpo, quando, numa cena macabra, o legista responsável chegou a segurar os crânios do cadáver diante das câmeras, no dia 6 de junho de 1985.
Semanas se passaram até que os exames dos restos mortais desenterrados ficaram prontos. Ao longo do tempo, os legistas alemães enviados para acompanhar o trabalho criticaram a forma como foi feita a exumação. Mas, a cada dia que passamos, maior era a certeza de que aqueles eram os mesmos remanescentes de Josef Mengele, o que foi oficialmente confirmado pelo então superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Romeu Tuma, no dia 21 de junho daquele ano. “Não há dúvida”, disse.
Foi o fim de uma busca de quase três décadas, que terminou com uma constatação frustrante de que o fugitivo nazista tinha vívido quase 20 anos de forma relativamente tranquila no Brasil e morrido sem ser punido pelas atrocidades que cometeu durante o Holocausto.









