Por G1PE – O edital de licitação lançado pelo governo de Pernambuco para a aquisição de 2 mil câmeras de segurança pública prevê o uso de imagens para “detecção de vadiagem” nas ruas. A inclusão do termo tem sido alvo de críticas nas redes sociais pelo fato de que a contravenção, que deixou de ser aplicada ao longo do tempo, é historicamente usada para perseguir minorias, em especial a população negra.
A abertura do processo licitatório foi anunciada no mês passado. Há seis meses, desde que o contrato com o antigo fornecedor acabou, o estado está sem sistema de videomonitoramento funcionando nas ruas (saiba mais abaixo).
O termo de referência que deu início à licitação foi publicado no dia 19 de junho. O documento cita uma “licença de analítico de imagens” para “detecção de vadiagem” entre os itens de pagamento único. Segundo a tabela, a Secretaria de Defesa Social (SDS) vai adquirir 550 licenças desse tipo, ao custo total de R$ 1,155 milhão.
Mais adiante, na lista de “Softwares VMS e Analíticos de Imagens”, a “vadiagem” é definida como “alvos movendo-se em uma área”. “O alvo está se movendo na região de interesse por um período de tempo, definido pelo usuário”, informa o texto do edital.
Em outra planilha, o termo é citado como sinônimo de “perambulação”. O g1 entrou em contato com a SDS, mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve resposta.
A vadiagem é uma contravenção prevista no artigo 59 do decreto-lei 3.688 de 1941, definida como “entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita”, com pena que varia de 15 dias a três meses.
Embora previstos por lei, os processos por vadiagem se tornaram raros após a promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, há um projeto de lei, o PL 3158/21, que retira a contravenção do Código Penal. A proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2021 e hoje aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Em publicação no Instagram, o Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia (IP.Rec) criticou a inclusão da vadiagem no edital de licitação do governo do estado. Na postagem, a entidade afirmou que o avanço desse edital é “inaceitável” e abre uma brecha para a perseguição de grupos minoritários, principalmente a população negra.
Em entrevista ao g1, a presidente do IP.Rec, Raquel Saraiva, disse que o próprio uso de câmeras de reconhecimento facial é um modelo de vigilância que acaba reforçando a discriminação contra pessoas negras e transgêneros.
“Por exemplo, se a gente pegar o cenário de pessoas moradoras da rua no Centro do Recife, vai ter muita gente perseguida. São pessoas completamente desamparadas pelo estado, que não têm qualquer tipo de suporte, não têm para onde ir. E o que vai acontecer com essas pessoas?”, questionou.
Para a presidente do instituto, ao prever a licença para “detectar vadiagem”, os principais alvos serão os grupos mais vulneráveis da sociedade.
“Não tem qualquer outra explicação para o fato de a SDS estar procurando ‘detecção de vadiagem’, primeiro porque esse termo, utilizado na Lei de Contravenção Penal, que é de 1941, é completamente anacrônico. Não tem sido usado, não tem sido aplicado”, declarou Raquel Saraiva.
Mais de 6 meses sem câmeras
- Em dezembro de 2023, a Secretaria de Defesa Social (SDS) desligou as 358 câmeras de videomonitoramento que estavam instaladas nas cidades do Recife, de Olinda, Caruaru e Petrolina;
- O sistema de videomonitoramento passou por uma auditoria especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que determinou a realização de nova licitação, sem a interrupção do serviço, considerado essencial;
- Após o desligamento dos dispositivos, o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, informou que um novo edital seria publicado até o fim de dezembro de 2023, com previsão de retorno do sistema em abril de 2024;
- O edital e o cronograma que estão sendo publicados têm um atraso de seis meses em relação ao anúncio feito em 2023, e a primeira fase da nova operação só será iniciada dez meses depois do desligamento das câmeras anteriores, se as datas previstas forem cumpridas;
- Quando as câmeras foram desligadas, o conselheiro Marcos Loreto, relator do processo no TCE, disser ter sido pego de surpresa com a decisão, sem a conclusão da nova licitação, e considerou que a medida poderia aumentar a sensação de insegurança por parte da população;
- Como justificativa, a SDS informou que o contrato com o consórcio OI SA, que fornecia câmeras, internet e operadores, foi firmado em 2012 e estava vencido desde agosto de 2020, sendo prorrogado por um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), válido até fevereiro de 2023;
Inicialmente prevista para abril deste ano, a contratação da empresa responsável pela instalação das novas câmeras foi adiada mais uma vez pela SDS em maio; - A publicação do edital de licitação foi anunciada no dia 20 de junho pelo governo do estado, prevendo a implantação de 2 mil equipamentos, ao custo de R$ 216,4 milhões, com contrato até 2029.