*Por Michel Zaidan Filho —Desde a publicação das cartas de Abelardo e Heloisa sobre o amor de concupiscência e o amor de amizade, depois popularizadas no romance de Humberto Eco, O Nome da Rosa, o interesse por essa famosa distinção só fez crescer na publicística amorosa, poética e filosófica.
Platão tem o privilégio de ser mencionado aqui, em primeiro lugar, pelo seu conhecido diálogo: O Banquete (O simposium). Aí, o conceito de amor recebe o nome de “ágape”, um sentimento nobre e elevado, desinteressado e não possessivo nutrido entre os iguais.
No Banquete, o amor é a amizade (filia) entre pessoas livres e iguais. Confunde-se com a boa conversa sobre temas sublimes, espirituais ou filosóficos. Nunca sobre questões materiais ou cotidianas do dia-a-dia. Naturalmente essa concepção de amor (amizade) era uma prerrogativa das classes aristocráticas que não precisam trabalhar para sobreviver. Podiam se dar ao luxo de se reunir, em torno de uma grande mesa, para celebrar a vida e os amigos.

Essa modalidade desinteressada de amor floresceu muito durante a Idade Média, com a sua ética ascética e puritana, com a modalidade do amor romântico sublimado (amor cortesão) , em razão da dificuldade de concretizar no objeto do seu desejo. Quanto mais difícil o acesso a este objeto, mais romântico, ideal, platônico era esse amor. É o sentimento amoroso da época da Cavalaria e da nobreza feudal.
A modernidade desencantou o amor, retirou o caráter sublimatório e espiritual do sentimento amoroso e transformou-o num contrato civil ou numa catexia erótica e libidinal, associada à zona genital das pessoas. Houve – segundo um filósofo, uma deserotização do corpo humano, de suas relações com a natureza e os outros, e sua especialização reprodutiva, genital. Tornou-se uma espécie de amor- físico carnal, circunstancial e possessivo. Nos homens, em função de sua iniciação afetiva através do amor materno, produziu-se uma separação entre o sexo a amizade. Nas mulheres, as necessidades afetivas e emocionais tornaram-se mais importante, segundo a Psicanálise.
É aqui onde entra a discussão primordial das formas que o amor pode e deve assumir, desde a filantropia (o amor pela humanidade), passando pelo amor aos pais e aos filhos, até chegar aos amigos e amigas, mais ou menos próximos e distantes. Amar sem posse, sem exclusividade, sem interesse imediato. Fazer do amor o sal da existência, a finalidade da vida. Uma vida sem amor-amizade-filantropia é uma subvida. Pode até ser longa, acumular muitos bens e poder sobre as outras pessoas, mas não será uma vida digna de ser humana. Como disse um filósofo moderno, acompanhando a ética de Immanuel Kant, “a comunidade humana“ deve ser o nosso objeto do amor.
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*Michel Zaidan Filho é Filósofo (UNICAP), Mestre em História (UNICAMP) e Doutor em História Social (USP), além de professor e escritor.







