Por Josias de Souza — Tratado por Bolsonaro e seus devotos como um bolchevique que ingressou no Supremo como quem invade o Palácio de Inverno, em São Petersburgo, Flávio Dino celebrou sua posse com uma homilia do arcebispo de Brasília, dom Paulo Cezar.
Quebrando uma tradição, Dino recusou a oferta de associações de magistrados para cultuar a conquista da toga numa festança. Preferiu uma missa na Catedral de Brasília, projetada pelo camarada Niemeyer.
Ao trocar o uísque por uma hóstia metafórica, Dino injetou sacralidade num rito profano. Na missa, agradeceu a Deus. Na festa corporativa corria o risco de passar por mais magistrado que oferece a consciência em sacrifício, num ritual cobiçado por juízes, procuradores, políticos, empresários e advogados cuja clientela tem contas a ajustar com a Suprema Corte.

Tratado por Bolsonaro e seus devotos como um anticristo comunista, Dino ofereceu aos convidados que lotaram a catedral o discurso que sonegara à plateia da cerimônia de posse. Derramou lágrimas citações bíblicas. A certa altura: “Eu acredito na vitória do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas.”
Em tempos de polarização, a fé nem sempre remove obstáculos. Mas ajuda a desmistificar hipotéticos messias. Bolsonaro já chamou o novo ministro do Supremo de “gordo comunista”. Assusta-se com a assombração errada. Com sua missa, Dino mostrou que só há uma coisa mais abominável do que a patrulha ideológica: a picaretagem ideológica.
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Josias de Souza é jornalista e colunista do UOL









