O Globo – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, admitiu na noite de domingo que o número de mortes em razão da Covid-19 nos Estados Unidos poderá chegar a 100 mil, bem mais do que previa há algumas semanas, conforme pressionava para a retomada das atividades econômicas. Ecoando declarações de seus secretários de Estado e Defesa, Trump também voltou à guerra retórica contra a China, acusando-a ter acobertado a real gravidade do coronavírus.
O acirramento do embate entre Pequim e Washington levou a Bolsa de Nova York a abrir em baixa nesta segunda-feira, atingindo também o mercado de ações no Brasil.
No mês passado, durante uma de suas entrevistas coletivas, Trump disse que as mortes pelo vírus nos EUA deveriam ficar “substancialmente abaixo de 100 mil” e, provavelmente, abaixo dos 60 mil. Com mais de 1,1 milhões de casos registrados e 67,6 mil óbitos, no entanto, ele foi forçado a revisar suas previsões em entrevista virtual com o público, transmitida ao vivo pela Fox News:
– Nós vamos perder algo entre 75, 80 até 100 mil pessoas. É uma coisa horrível. Nós não deveríamos perder sequer uma pessoa por isso – disse o presidente, que chegou a comparar a Covid-19 com uma gripe comum. – Se nós não tivéssemos feito [nada] (…), teríamos perdido, provavelmente mais, possivelmente mais de 2,2 milhões.
Apesar de indícios de que o pico da doença já passou, ainda não houve uma queda significativa das infecções nos EUA – algo que o modelo de projeção da Casa Branca previa para o meio de abril. Ainda assim, o presidente americano voltou a defender o fim do isolamento social, argumentando que o governo está preparado para uma retomada rápida da economia. Cerca da metade dos governadores americanos iniciaram uma reabertura parcial, mas vários deles, como Andrew Cuomo, de Nova York, o estado mais atingido pela doença, questionam as condições para a retomada, apontando para fatores como a indisponibilidade de testes em massa.
Comparação com Lincoln
Em sua entrevista, Trump disse ainda acreditar que haverá uma vacina para a doença até o fim do ano, previsão vista com reticência pelos especialistas. Questionado também sobre seu vocabulário agressivo e por que se esquiva de perguntas da mídia, Trump atacou a imprensa e se comparou com Abraham Lincoln, presidente americano assassinado em 1865 cujo memorial foi palco da entrevista concedida no domingo:
– Eu sou recebido por uma imprensa hostil, tal qual nenhum presidente viu antes – disse Trump. – Eles sempre dizem: “Lincoln, ninguém foi tratado pior que Lincoln”. Eu acredito que eu sou.

Em sua entrevista, Trump também acirrou sua disputa verbal com os chineses, acusando-os de terem cometido um “erro horrível” ao tentar acobertar a disseminação da Covid-19, comparando-a com um fogo que não conseguiram apagar. Horas antes, o secretário de Estado Mike Pompeo havia dito novamente, sem apresentar provas, que há “evidências significativas” de que o vírus teve origem em um laboratório na cidade chinesa de Wuhan, berço da doença.
– Os principais especialistas até agora acreditam que o vírus foi criado pelo homem. Eu não tenho motivos para desacreditar disso neste momento – disse Pompeo, contradizendo conclusões obtidas pela agência de espionagem americana, que concluiu não haver sinais de que o vírus foi criado pelo homem ou geneticamente modificado, e da Organização Mundial da Saúde.
‘Declaração insana’
As declarações do secretário de Estado foram chamadas e “insanas e invasivas” pelo canal estatal chinês CCTV. Segundo o veículo, Pompeo “cospe seu veneno e propaga mentiras sem razão”:

– Os políticos americanos tratam de jogar a culpa nos outros, de fraudar eleições e recriminar a China quando seus próprios esforços para combater a pandemia são um desastre – disse o canal.
Quem também atacou Pequim foi o secretário de Defesa Mike Esper, que acusou a China e a Rússia de tirarem proveito da pandemia para promover seus interesses em “indústrias críticas e infraestrutra” na Europa, buscando criar divisões intercontinentais e na Otan. Em uma entrevista publicada nesta segunda pelo jornal italiano La Stampa, Esper afirmou que a China conduz um plano “maligno” para implementar a rede 5G na região.
A chinesa Huawei é uma das maiores empresas de tecnologia da telecomunicações do planeta e sua tecnologia 5G é considerada por analistas a mais competitiva e com melhor custo-benefício do mercado. Os americanos, contudo, alegam que seus aparelhos poderiam ser utilizados para fins de espionagem, algo que a companhia nega.
Há semanas, os Estados Unidos e a China vem apresentando teorias divergentes sobre o surgimento da Covid-19. Os americanos tentam culpar Pequim, chegando até mesmo a cessar suas doações para a OMS alegando que a organização “defende as ações do governo chinês”. Os chineses, por sua vez, chegaram a acusar sem embasamento os militares americanos de terem introduzido o novo coronavírus em seu país e vêm usando o controle da doença em seu território como ferramenta de soft power.







