Por Elenilce Bottari de O Globo
Com 17 anos, o jovem detido tinha deixado um centro de ressocialização para menores infratores no dia 25 de julho, beneficiado por uma liminar do Supremo Tribunal Federal. A pedido de defensores públicos de quatro estados, o ministro Edson Fachin determinou, dois meses antes, o esvaziamento de abrigos com 119% ou mais de taxa de ocupação: internos deveriam ser transferidos para outras unidades; se não houvesse vagas, poderiam passar a cumprir internação domiciliar. No Rio de Janeiro, 444 adolescentes com idade entre 13 e 17 anos foram liberados, e 98 — 22% — já estão de volta às unidades do Degase.
O número faz parte de um levantamento feito pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude. De acordo com a pesquisa, os reincidentes se envolveram em atos análogos a crimes de roubo, tráfico de drogas, latrocínio e tentativa de homicídio. O trabalho, que teve como base dados do próprio Ministério Público, da Polícia Civil e da Justiça, contraria um estudo anterior da Defensoria Pública do estado, segundo o qual 3% dos adolescentes infratores libertados retornam para o sistema do Degase.
Para a juíza Vanessa Cavalieri, responsável pelo julgamento dos adolescentes em conflito com a lei no município do Rio, o resultado do levantamento do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude não surpreende.
— Esses jovens não saíram das unidades de internação porque concluíram o processo socioeducativo. Não houve relatórios indicando que estavam prontos nem progressão de medidas por merecimento. Ganharam a liberdade simplesmente porque suas unidade estavam superlotadas — afirmou a magistrada, acrescentando que o problema só será resolvido quando o estado cumprir um plano elaborado em 2015 pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro. — Foi identificada a necessidade de criação de 1.086 vagas no Degase, mas não foram abertas.
Falta de controle
O retorno de jovens ao mundo do crime pode ser ainda maior que o apontado no estudo. Além dos 444 adolescentes, 174 infratores entre 18 e 21 anos que ainda cumpriam medidas socioeducativas no estado foram beneficiados pela liminar de Fachin. Mas, entre os maiores de idade, eventuais casos de reincidência passam a ser tratados na Justiça criminal. Isso aconteceu com Vinícius Coutinho da Silva Rodrigues, que deixou uma unidade do Degase em 19 de junho para cumprir internação domiciliar. Sua liberdade durou apenas 50 dias: ele foi preso no último dia 7, quando roubou um carro, colocou o motorista no porta-malas e trocou tiros com PMs.
— Não existe um mecanismo eficaz de controle da internação domiciliar no Rio. Então, na verdade, o estado deixou de ter a obrigação de prestar atendimento socioeducativo. Isso pode motivar a prática do ato infracional, porque, quando o adolescente o pratica e não há reação, ele se sente estimulado a voltar a fazê-lo — analisou a promotora Luciana Benisti, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude.
Enxugando gelo
A liminar de Fachin teve como objetivo resolver, de forma emergencial, o problema da superlotação em unidades de ressocialização, e acabou sendo aplicada em dez estados brasileiros. Mas no Estado do Rio, onde um total de 618 jovens infratores foram liberados de abrigos, o Degase voltou a sofrer o problema. De junho para cá, foram criadas 40 vagas, na Região Serrana, porém o número de internações aumentou. Nos últimos cinco meses, o órgão recebeu mais 699 jovens para internação provisória e 260 para cumprimento de medidas determinadas pela Justiça.
O processo judicial ao qual a liminar está vinculada (e que tem Fachin como relator) ainda não tem data para ser levado a julgamento no STF. Hoje, pelo menos três unidades do Degase estariam em desacordo com a medida, por apresentarem um índice de ocupação superior a 119%.
O diretor do órgão, Márcio Rocha, diz que o governo estadual criou uma coordenação para acompanhar os jovens infratores liberados para internação domiciliar:
— Ainda é um ação embrionária. Embora não seja uma função do Degase, estamos, desde 20 de setembro, tentando fazer algum controle do cumprimento da medida, mantendo contato com os responsáveis. Temos, por enquanto, 82 adolescentes cadastrados pela coordenação.







