Por Luce Pereira — Infelizmente, nos acostumamos às pedras no sapato como forma de evitar dores maiores. Isto é, basicamente nos interessa a anestesia, que leva quase todos a preferir uma estrada perfeitamente pavimentada, embora sem chance alguma de ver nascer ao longo dela uma única flor. Penso nisso olhando para a taça de vinho, sem coragem de praguejar contra a insistência do calor. Mas, meu amigo, já é julho, tenha santa paciência…
Quisera fossem apenas o calor, o tédio trazido pela “infinitena”, as amarguras do cidadão comum. Não. A realidade virou uma navalha: A morte surgiu, desta vez, com uma língua de fogo voraz, invocada por gente onde o humano se afigura como incômodo. Gente? Seria apropriado chamar assim?
Gente, que eu sei, é outra coisa. A morte tem escolhido a dedo as pessoas que nos importam, porque trazem leveza ao impiedoso ato de existir. Se a tarefa é esvaziar o sentido, a morte anda se esmerando. Tenta que entendamos o mundo como um deserto onde não mais poderá florescer ilusão alguma. Tenta, mas a alma humana domina a mágica da ressureição.
Começo, mas não consigo concluir, o cálculo sobre quantos prezamos, pela grandeza e devoção à cultura , levados num repente, desde o começo da “infinitena”, consumidos pela voraz língua de fogo da morte. A conta agora inclui o grande ator Leonardo Villar. Elegante, preciso, talento comovente, de tão cristalino, foi-se, também, aos 98 anos.
Olhai para a televisão que se identificava com o melhor da alma nacional e verás o brilho intenso de um ofício clareando tudo. Leonardo Villar era uma dessas estrelas predestinadas a iluminar sem trégua.
Sei que o tempo tem a última palavra. É justo. Mas não custa nada nos acostumarmos a dizer “bravo!” a tanta gente que antes de ir iluminou um país.
