Por Graciliano Rocha, do UOL – A Ambipar, multinacional brasileira de serviços ambientais, chegou à beira da insolvência – incapacidade de cumprir seus compromissos – depois de um movimento financeiro ainda não totalmente explicado, que drenou o caixa da companhia em 48 horas.
De acordo com fontes com conhecimento da crise da empresa, um aditivo de um contrato de swap cambial de R$ 3 bilhões funcionou como rastilho para a crise de liquidez, e agora o caso é investigado internamente e por advogados contratados pela empresa.
O gatilho foi acionado em 18 de setembro, quando o então diretor financeiro João Daniel Arruda assinou o aditivo a um contrato de swap com o Deutsche Bank. O documento atrelava as garantias dadas ao cumprimento do contrato ao desempenho dos bonds (títulos de dívida) da própria Ambipar.
Swap cambial é uma operação comum no mercado. Trata-se de um contrato entre duas partes para trocar dívidas em moedas diferentes. Funciona assim: uma empresa que tem dívida em dólar, mas recebe em real, faz um swap para se proteger caso o dólar suba. Ela “troca” suas obrigações em dólar por uma taxa combinada previamente (ex: um percentual do CDI ou IPCA mais algum juro).
No caso da Ambipar, segundo as fontes, o problema foi a vinculação desse contrato ao valor dos bonds da própria empresa – uma condição incomum e de alto risco, segundo as fontes ouvidas pela coluna.
No dia seguinte, 19 de setembro, os títulos despencaram de forma brusca, algo inédito em dois anos. A queda provocou o acionamento de cláusulas de garantia que obrigaram a Ambipar a injetar R$ 60 milhões imediatamente no Deutsche, com mais R$ 200 milhões nos dias seguintes. Por ter considerado a transação atípica, a direção da Ambipar afastou Arruda do cargo.
A reação em cadeia foi imediata e a informação de risco de insolvência da Ambipar acabou vazando no mercado. O Santander, detentor de uma dívida de US$ 119 milhões com vencimento em 2027, cobrou antecipadamente o pagamento de uma parte do montante, após alegar que a empresa descumpriu obrigações contratuais, ainda de acordo com as informações obtidas pelo UOL. O banco também ameaçou acionar a cláusula de cross-default (uma cláusula anticalote), que torna toda a dívida da companhia exigível de uma vez.
Segundo a descrição de uma das pessoas com conhecimento do caso, os R$ 60 milhões exigidos primeiro pelo Deutsche foram uma “fagulha”, e a ameaça do Santander de exigir a antecipação da dívida foi incêndio.
Diante do risco de uma corrida de credores para tentar executar primeiro, a empresa foi à Justiça do Rio pedir uma tutela antecipada para impedir a execução das cláusulas de garantia dos contratos. Trata-se de uma decisão provisória, que antecipa os efeitos da aceitação de um pedido de recuperação judicial, que deve ser formalizado entre os próximos 30 e 45 dias.
Internamente, a Ambipar trata o caso do swap como “péssimo negócio” e também suspeita de irregularidade. A empresa estuda medidas legais contra o ex-diretor financeiro e busca alternativas para anular o aditivo.
O UOL procurou Arruda para pedir comentários, mas não conseguiu localizá-lo na tarde e na noite desta sexta.
O Deutsche Bank também foi procurado pelo UOL, que enviou uma série de questões envolvendo a crise da Ambipar. Uma delas foi se o banco ofereceu à empresa algum tipo de acordo extrajudicial depois que o caso veio à tona. De Nova York, a instituição informou que não comentará o assunto.

“Pai rico”
A Ambipar contratou o escritório do advogado Luis Felipe Salomão Filho, especialista em temas de insolvência e recuperação judicial e que trabalhou na crise que levou as Americanas à lona por causa de uma fraude.
Uma fonte que conhece os dois casos comparou-os nos seguintes termos: enquanto as Americanas tinham “pai rico” (referência ao trio de controladores, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira), mas penaram desde o minuto zero com a desconfiança do consumidor, que parou de comprar em canais digitais por medo de não receber.
Já o fundador da Ambipar, Tercio Borlenghi Junior, dono de 73% do capital votante (o que o torna bilionário), embora não seja comparável em fortuna com o trio 3G em fortuna. Em vez de uma base pulverizada de clientes como uma varejista, a Ambipar tem contratos firmados com outras grandes empresas, como a Petrobras, que demandam serviços ambientais em caráter permanente.
A ação foi abatida pela encrenca. O papel vinha sendo negociado na casa dos R$ 14 até semana passada. Desde que se tornou pública a informação de que a Ambipar obteve na justiça a suspensão temporária da cobrança de dívidas, as ações da companhia perderam mais de dois terços do valor, atingindo o fundo do poço (R$ 4,22) no início do pregão da quinta. Nesta sexta, recuperaram parte das perdas, tendo fechado em R$ 8,85.
A queda brusca nas cotações refletiu o ceticismo do mercado sobre a eficácia da proteção judicial para estabilizar a situação financeira do grupo.
Cheiro de fumaça
Entre 12 e 18 de setembro, duas agências de classificação de risco, a Fitch e a S&P Global, apontaram problemas. A Fitch rebaixou a perspectiva da companhia de neutra para negativa, enquanto a S&P incluiu a empresa no “creditwatch negativo”, etapa que antecede o rebaixamento da nota de crédito.
A Fitch destacou em seu relatório a “combinação de ocorrências nos últimos trimestres”, como atraso na entrega do formulário 20F de uma subsidiária (relatório anual obrigatório para empresas que negociam nos EUA), um processo administrativo movido pela CVM e falta de transparência em resultados contábeis.
Já a S&P revisou sua avaliação de governança de “neutra” para “moderadamente negativa”, citando investigações da CVM sobre recompra de ações acima do limite autorizado e a rotatividade recente em cargos de diretoria como indício de “falta de oversight”, ou seja, controle frágil por parte dos controladores.
Para a administração da Ambipar, o teor dos relatórios não tem qualquer relação com o quadro que se seguiu à assinatura do aditivo do contrato com o Deutsche e suas consequências.

A contradição dos números
A Ambipar é uma empresa de serviços ambientais que atua em resposta a emergências e gestão de resíduos industriais. Em 2024, faturou aproximadamente R$ 6,4 bilhões, consolidando-se como uma das principais players do setor na América Latina. Ela cresceu com uma política agressiva de aquisições nos últimos anos, financiada por endividamento.
Os números mais recentes mostram a contradição entre expansão e fragilidade. O ativo total cresceu para R$ 16,9 bilhões em junho de 2025, mas o prejuízo líquido também aumentou, chegando a R$ 300 milhões no semestre.
O caixa das operações encolheu para R$ 254,8 milhões, menos de um quarto do registrado no fim de 2024, enquanto a dívida bruta avançou para R$ 11 bilhões.
Recuperação judicial no Brasil e nos EUA
A tutela cautelar concedida esta semana suspende os efeitos de cláusulas de cross-default e vencimento antecipado de obrigações, dando fôlego para negociações com credores. O pedido formal de recuperação judicial deve ser protocolado em 30 a 45 dias, e a empresa avalia estender a proteção a credores nos EUA via Chapter 15 – um mecanismo de proteção contra credores no exterior para empresas com dívidas internacionais.
Quando uma empresa entra em recuperação judicial no Brasil, o Chapter 15 permite estender essa proteção aos EUA, impedindo que credores americanos movam ações judiciais separadas contra os ativos da companhia no país.
É uma forma de unificar a reestruturação em múltiplos países sob uma mesma supervisão judicial. Difere do Chapter 11, usado nos últimos anos pelas companhias aéreas Latam, Gol e Azul nos últimos anos, que é o processo de recuperação judicial correndo na jurisdição americana. O Chapter 15 é apenas o reconhecimento nos EUA de uma recuperação judicial já aberta em outro país.








