Por Ricardo Antunes — Na portaria que determinou a abertura do inquérito civil, o promotor de Justiça apontou várias considerações. É importante prestar atenção nelas, já que constam termos que dão mostra do que aconteceu nessa história bizarra. Uma das considerações, por exemplo, trata da importância do processo de licitação nas ações do poder público, coisa básica por sinal.
“Licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”, escreveu.
O promotor Marcus Alexandre Tieppo Rodrigues também apontou que o processo de vendas dos ingressos para o camarote Exclusive, pela Festa Cheia, aconteceu “antes do término do prazo de até 30 dias da Lei 9.608/22, para apresentação de requerimento visando a autorização de uso de espaço público defronte o palco onde irão se apresentar as bandas contratadas com recursos públicos no São João de Caruaru”.
Alegou, ainda, que as vendas das entradas foram feitas antes mesmo da publicação do decreto que definiu “o valor irrisório de R$ 220.000” como preço público para a exploração do espaço. Esse valor, segundo a portaria do promotor, foi estabelecido sem um estudo prévio que o justificasse.
Além disso, o MPPE apontou que “a criação de áreas VIP’s acabam por elitizar e descaracterizar o São João de Caruaru como festa de todos, restringindo o amplo acesso à cultura que deveria ser promovido pela Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru, fomentando a Desestratificação Social do Pátio de Eventos Luiz Gonzaga”.
O promotor falou também na ausência de licitação ou devido procedimento legal de contratação, contrato ou ato administrativo autorizador devidamente publicado. E aponta problemas em outros contratos feitos pela Fundação de Cultura de Caruaru para o evento, presidido por Rafael Martiniano.
Arrogante, Martiniano assumiu o órgão no ano passado, logo após os festejos juninos. Sem esperar terminar a eleição para o Governo de Pernambuco, o prefeito Rodrigo Pinheiro demitiu toda a diretoria da Fundação para acomodar justamente os ex-funcionários da empresa Festa Cheia. Na oportunidade, a governadora estava em quarto lugar nas pesquisas e o prefeito já fazia uma “ponte” para se aproximar do ex-governador Paulo Câmara (ex-PSB).
Um esquema pra lá de “amador” segundo um empresário que também faz grandes eventos no estado. “A certeza da impunidade é tão grande que eles nem se importaram com a repercussão negativa da farra, mostrando que não tem o menor medo de serem presos”, disse ele ao nosso Blog em reserva.
Mas as irregularidades da Farra do São João de Caruaru não param por aí . Segundo o MPPE, o contrato nº 071/2023 CPL/G entre a Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru e a empresa Talentos Promecc Produção de Eventos Eireli, por exemplo, previa serviços de locação, montagem e desmontagem de estrutura, som, iluminação, captação e transmissão de imagens para o São João de Caruaru 2023 no valor de R$ 16,3 milhões.
No dia 10 de maio, 24hs antes da licitação, nosso Blog antecipou que a empresa seria a vitoriosa através de uma mensagem cifrada em nosso Twitter.
Veja:
Em jogo de "Cartas Marcadas" é necessário ter muito "talento". Do contrário, você poder "perder" algo em torno dos R$ 13 milhões.
— Ricardo Antunes (@blogricaantunes) May 10, 2023
O MPPE informou que a planilha orçamentária constante nesse contrato previa o gasto de R$ 1.224.513,99 com a locação, montagem e desmontagem dos camarotes A,B e C, além de restaurantes. Disse, ainda, que essa planilha orçamentária previa o gasto de R$ 467.518,16 com a locação, montagem e desmontagem do palco do Pátio de Eventos Luiz Gonzaga.
O MPPE também alegou falta de requerimento protocolado e projeto contendo o quantitativo de pessoas a utilizarem o espaço, o plano de contingência em caso de emergência, o número mínimo de bombeiros civis e socorristas a serem disponibilizados, além de outros requisitos estabelecidos em legislação própria.
Por fim, o promotor apontou “falta de transparência com os gastos que serão realizados com as atrações e de destinação dos referidos espaços onde funcionam os camarotes A, B, C e restaurantes” e afirmou: “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades, e notadamente frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente”.
Ou seja virou caso mesmo de polícia e não se fala em outra coisa na cidade. O nosso Blog vai continuar de olho nessa história, é claro. Até porque toda a mídia pernambucana está calada e muda com o escândalo que começa a ganhar as manchetes de todo país.
Anotem, por favor.
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