Da Redação com BBC News Brasil — O turismo impulsionado pelas redes sociais, especialmente o Instagram, e expansões irregulares de pousadas, como a Pousada Morena, uma das mais luxuosas da ilha, levaram o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) a aplicar recorde de multas ambientais este ano em Fernando de Noronha, atingindo mais de R$ 6,5 milhões até agosto último.
Inaugurada em 2016, a Pousada Morena pertence à arquiteta pernambucana Kátia Peixoto, que possui duas outras pousadas também de alto luxo em Noronha e uma empresa de revestimentos de primeira linha, a Pleno Revestimentos, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife.

Foi nas dependências dos funcionários da Pousada Morena que morreu, em abril último, em circunstâncias nebulosas, a recepcionista Marina Ferreira da Silva, de 25 anos, que a Polícia Civil concluiu ter sido de causas naturais, embora a médica que atendeu a recepcionista no hospital da ilha tenha constatado sinais de violência.
As diárias da Colina Pousada Spa, uma das três pousadas de Kátia Peixoto em Noronha, variam de R$ 2.420 a R$ 3.410, conforme a temporada. Seu público alvo é de casais em lua de mel e, por isso, a pousada não aceita crianças.

O influenciador digital Leonardo Picon, o Léo Picon, esteve com amigos em Fernando de Noronha no início do ano, passeio que rendeu uma série de notícias em sites de celebridades.
Rendeu também uma multa ambiental não noticiada. O influenciador foi autuado pelo ICMBio por ter dado comida para uma fragata (um tipo de ave marinha), o que é proibido, e multado em R$ 1 mil pelo órgão federal.
Os fiscais acrescentaram ao documento prints da conta de Picon no Instagram para reforçar a multa. O relatório destacou que Picon “é uma pessoa influente nas redes sociais” e que “tem visitado Noronha por diversas vezes.”
A multa aplicada a Picon ajuda a ilustrar uma situação que preocupa cada vez mais os servidores que atuam com conservação ambiental em Noronha: o aumento do turismo impulsionado por influenciadores, em uma área que não permite mais nenhuma expansão urbana e que possui, ao mesmo tempo, pousadas e bares tentando ampliar seus espaços de forma “escondida”.
É o “turismo do Instagram”, nas palavras de um dos entrevistados para esta reportagem.

Nos últimos dois anos, multas ambientais aumentaram no arquipélago de 26 quilômetros quadrados e 3 mil habitantes. Em 2024, até agosto, foram mais de R$ 6,5 milhões distribuídos em 18 autos de infração, segundo levantamento feito pela BBC News Brasil.
Em valores, é um recorde para o ICMBio no local. Em total de multas, é a maior quantidade desde 2016, segundo dados produzidos pela instituição e analisados pela reportagem. Servidores dizem que há ainda um passivo de multas que ainda poderão ser aplicadas.
Funcionários que trabalham com a proteção ambiental em Fernando de Noronha admitem dificuldade do poder público para lidar com o que chamam de novas características do turismo na região. Dizem também que o controle do número de pessoas visitando a ilha não tem funcionado.
Picon afirmou à BBC News Brasil, por meio de sua conta no Instagram, que não recebeu a multa e só soube do auto de infração pela reportagem da BBC News Brasil.
Ele reclamou da falta de instruções claras sobre as regras e diz que o ICMBio poderia se aliar aos influenciadores na conscientização ambiental aos turistas.
Já a administração do ICMBio afirma que o auto foi entregue pelos correios e que solicitou que o influenciador removesse os vídeos postados por ele, por contrariar normas ambientais.
“É o turismo de Instagram, né? A galera quer tirar as mesmas fotos, dos mesmos lugares”, diz Mário Douglas, coordenador da área temática de proteção do ICMBio de Fernando de Noronha.

O Buraco do Galego, piscina natural localizada na Praia do Cachorro, por exemplo, há tempos não é mais chamado assim, segundo servidores. “Hoje é conhecido como a piscina do Neymar, porque há uma foto dele com a Bruna Marquezine”, conta.
“Agora tem fila de pessoas para tirar a mesma foto. É um tipo de turismo que é novo, que é diferente. E é difícil de lidar, a gente ainda não sabe muito bem como potencializar o que tem de bom e reduzir o que tem de ruim.”
Além dos próprios turistas, o poder público enfrenta pressão ainda maior das empresas que esperam receber esses turistas de alto poder aquisitivo, como as do setor de pousadas. “Podemos inferir que os delitos ocorridos na região são, em sua quase totalidade, ligados ao turismo”, destacou o órgão. São, em sua maioria, casos de ocupações irregulares – construções e reformas sem autorização, por exemplo.
“Existe uma pressão por aumento do número de pousadas. Todo mundo quer ganhar mais dinheiro. E aqui tem um problema sério porque você tem limite geográfico. Não dá, não cabe, não comporta”, diz Mário Douglas, do ICMBio.
O tamanho da área urbana de Fernando de Noronha também entrou no acordo de gestão compartilhada entre a União e o Estado de Pernambuco. O documento diz expressamente que o poder público se compromete a “não ampliar o perímetro urbano atualmente existente.”
Para garantir isso, estão previstas medidas administrativas e judiciais para coibir construções irregulares, seja por meio de sua regularização ou demolição de obras.
O que acontece, na prática, segundo servidores do ICMBio ouvidos pela BBC News Brasil, é que as empresas vão “esticando” seus domínios de forma irregular, tentando despistar o poder público. “Construção irregular. Rápidas, feitas em horários alternativos, mais escondido possível. É gato e rato”, diz Mario Douglas.

Das multas aplicadas em 2024, a maioria tem relação com obras consideradas irregulares, como ampliação de terrenos, construções sem licença, reforma de imóvel, dentre outros.
Um caso emblemático é o que puxa o valor das multas de 2024 para um recorde – a Atlantico Sul Empreendimentos, empresa responsável pela Pousada Morena, foi multada duas vezes neste ano. O motivo, segundo o ICMBio, é a ampliação da área da Pousada Morena, com instalação de deck e ofurôs em uma área protegida da ilha. Somadas, as infrações passam de R$ 6 milhões.
A Pousada Morena é uma das mais luxuosas de Fernando de Noronha. Um apartamento de 23 metros quadrados, para até duas pessoas, sai por R$ 4,2 mil por duas noites. O Bangalô Master, para até três pessoas e com 80 metros, custa R$ 8,5 mil. A pousada já atraiu celebridades como a cantora Paula Fernandes, que esteve lá em agosto deste ano. O hotel também já figurou em um ranking dos 50 melhores do Brasil, feito pela revista Exame.
Os problemas entre o órgão fiscalizador e a pousada não começaram agora. O levantamento da BBC News Brasil identificou ao menos outros dois episódios, um em 2012, no valor de R$ 200 mil, e outro de R$ 100 mil, em 2015. Os fiscais anotaram no relatório que estiveram na pousada e identificaram “grande quantidade de obras em andamento”, incluindo um bangalô e a piscina em área de conservação.

Neste ano o ICMBio determinou a demolição do chamado “espaço relax”, instalado em frente à área da piscina da pousada. O órgão entende que não poderia haver expansão da obra. Segundo a empresa, o objetivo é proporcionar um local para descanso e convivência e com vista privilegiada para o oceano.
O Outro Lado
Em nota enviada à reportagem, a Atlantico Sul Empreendimentos afirmou que as multas de 2012 e 2015 se referiam a um mesmo fato e foram contestadas na Justiça, obtendo a empresa “decisão favorável reconhecendo seus direitos, se encontrando esta decisão transitada em julgado”.
“Já em relação aos recentes autos de infração, a empresa discorda veementemente dos motivos ensejadores de suas lavraturas e vem exercendo seu legítimo direito de defesa, já tendo apresentado defesas administrativas perante o Órgão, as quais se encontram pendentes de decisão”, diz a nota.









