Do Estadão – O CEO Andy Byron foi flagrado com sua colega Kristin Cabot durante um show do Coldplay, gerando uma onda de comentários e condenação online. O escândalo revela a crescente vigilância digital e a cultura da humilhação pública, onde comportamentos considerados inadequados atraiem atenção massiva e críticas.
Os dias em que você podia ter um caso extraconjugal ou gritar com um(a) comissário (a) ou intimidar seus vizinhos em paz acabaram. Na era da internet, as câmeras estão sempre gravando, e os piores momentos das pessoas atraem milhões de olhares enquanto o público online se aglomera para opinar.
Comentaristas rapidamente identificaram tanto Byron quanto sua colega de trabalho, Kristin Cabot, com muitos também nomeando membros da família de Byron e compartilhando detalhes de uma página pessoal no Facebook.
“Isso é um exemplo de Deus cuidando das pessoas [Byron e Cabot] que estão traindo”, disse um comentário com 100 mil curtidas.
As tentativas de entrar em contato com Byron e Cabot na última sexta-feira não tiveram sucesso. Ambos parecem ter desativado suas páginas no LinkedIn.
“A Astronomer está comprometida com os valores e a cultura que nos guiaram desde a nossa fundação. Espera-se que nossos líderes deem o exemplo, tanto na conduta quanto em sua responsabilização”, disse a empresa em uma postagem de sexta-feira, 18, no X, acrescentando que seu conselho investigará o vídeo. No sábado, 19, a empresa comunicou que Byron renunciou ao cargo.
É o mais recente de uma série de momentos virais centrados nas falhas morais percebidas de uma pessoa comum. Desde o “Caleb da West Elm”, um homem em Nova York que explodiu online depois de sair com várias mulheres ao mesmo tempo, até “Karen da JetBlue”, uma mulher que tentou furar a fila em um avião, o público online é apresentado a um elenco sempre rotativo de personagens para julgar e (geralmente) desprezar.

A condenação pública não é nova, mas a internet agora transforma transgressões cotidianas em entretenimento para milhões, dizem alguns críticos culturais. Isso levanta novos riscos e questões éticas, especialmente porque a máquina da atenção online nem sempre faz diferença entre abusos sérios e conflitos interpessoais menores, dizem.
Pessoas online têm inundado em massa as seções de comentários de supostos traidores, clientes rudes e até anfitriões de festas ruins, às vezes assediando as partes presumivelmente culpadas entrando em contato com seus empregadores e famílias.
Quando uma mãe texana se sentiu desprezada após ir a uma festa do bairro onde os outros participantes não apreciaram sua salada antepasto, os usuários rapidamente encontraram a anfitriã, que mais tarde postou e então deletou um vídeo de desculpas. A sugestão de busca automática no vídeo original contém o nome e sobrenome da anfitriã da festa e de seu marido.
Ao mesmo tempo, a prevalência de campainhas com câmera, painéis de vídeo e sistemas de vigilância de varejo e governamentais criam mais maneiras das pessoas serem filmadas. Com o crescimento massivo de dispositivos de vídeo em todos os ambientes, “esse incidente em particular certamente criará uma nova conscientização para as pessoas em espaços públicos”, disse Elizabeth Parks, presidente e diretora de marketing da Parks Associates, uma empresa de pesquisa de mercado sobre tecnologia de consumo.
Campanhas de humilhação pública como a direcionada a Byron compartilham algumas características com a cultura do cancelamento, um termo geralmente invocado quando uma figura conhecida é publicamente criticada por ofensas que no passado ficavam impunes, como assédio no local de trabalho ou linguagem ofensiva.
Ao contrário da condenação dirigida a Harvey Weinstein por predar jovens atrizes ou Paula Deen por usar um insulto racial, no entanto, Byron é um cidadão privado sem uma persona pública. Até às 12h de sexta-feira, 18, “CEO pego traindo” era a terceira pesquisa mais popular no Google nos EUA.
Para muitos observadores na internet, o caso já está encerrado, e alguns foram tão longe a ponto de entrar em contato com a mulher e filhos de Byron, de acordo com comentários no TikTok. Isso revela um público desesperado por sua próxima dose de adrenalina e pouco preocupado com o efeito que sua atenção pode ter nos personagens da vida real envolvidos, diz a crítica de cultura da internet Rayne Fisher-Quann, que escreve uma coluna popular no Substack.
Infidelidade, colapsos públicos e má criação dos filhos são todos propícios para momentos virais porque os espectadores sentem que estão espiando por trás das cenas da vida privada de outra pessoa e ajudando a impor o castigo que eles (supostamente) merecem, disse Fisher-Quann.
Quando ela escreveu pela primeira vez sobre o “panóptico” online – onde os usuários de redes socias monitoram comportamentos ruins e compartilham indiscriminadamente filmagens de pessoas que não concordaram em ser filmadas – as audiências ainda estavam discutindo se é certo ou errado se intrometer na vida de um estranho em uma plataforma tão grande, ela disse. Agora, a vigilância digital de empresas e do governo normalizou o monitoramento constante, e a vigilância interpessoal é um resultado natural, disse ela.
Ao mesmo tempo, aplicativos algorítmicos nos acostumaram a uma corrente constante de conteúdo altamente estimulante, disse ela. Uma gafe pública ou traição fornece uma oportunidade perfeita para o público obter sua dose, disse Fisher-Quann, à medida que se apressam para se envolver na história, como um “jogo de detetive estilo ‘escolha sua própria aventura interativa’”.
O impacto da humilhação pública em seus sujeitos já foi estudado. Já em 2015, escritores como Jon Ronson estavam documentando o que acontece com as pessoas comuns quando se encontram do lado errado de uma multidão online. Muitos perderam seus empregos e experimentaram problemas de saúde mental duradouros, de acordo com o livro best-seller de Ronson Humilhado: Como a era da internet mudou o julgamento público (Editora Best Seller, 2018). Alguns estudiosos, por enquanto, argumentam que a vergonha pública pode servir tanto para funções boas quanto ruins, dependendo da ofensa e da escala da reação.
O fenômeno também afeta os participantes, dizem especialistas. Terapeutas que trabalham com a geração Z dizem que seus clientes usam cada vez mais ferramentas digitais para monitorar todas as interações online de seus parceiros românticos, criando um padrão de desconfiança e paranoia. Histórias de pais, amigos e parceiros abusando de recursos de compartilhamento de localização, por outro lado, destacam como a vigilância interpessoal pode prejudicar relações.
Ninguém sabe como essa história terminará para Byron, Cabot e suas famílias. Até que a poeira assente, a internet terá fixado seu olhar em um novo vilão – ou pelo menos alguém que teve o azar de cometer um erro em público.
Lisa Bonos contribuiu para esta reportagem.









