Por Natália Portinari, do UOL – O ex-presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto, tentou obstruir a investigação da Polícia Federal sobre desvios envolvendo a estatal, segundo decisão do ministro Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na decisão que autorizou a quinta fase da Operação Overclean, em julho, o ministro decidiu que estava demonstrada a necessidade de afastar o presidente da estatal para que ele não atrapalhasse as investigações.
Marcelo Andrade acabou saindo da estatal em junho, no intervalo entre o pedido de afastamento da PF e a decisão do ministro. Por isso, quando a fase da operação foi deflagrada, em julho, a decisão de retirá-lo do cargo acabou ficando sem efeito.
A Codevasf diz que “mantém compromisso com a elucidação dos fatos e com a integridade de suas ações — e que continuará a prover suporte integral ao trabalho das autoridades policiais e da Justiça”.
A organização criminosa investigada pela Operação Overclean atuou, segundo as investigações, em dois contratos de pavimentação financiados com emendas da Codevasf em Campo Formoso (BA), cidade administrada por Elmo Nascimento (União), irmão do deputado federal Elmar Nascimento (União-BA),
Ainda no governo Bolsonaro, Elmar indicou Marcelo Andrade para a presidência da Codevasf, assim como o ex-superintendente da Codevasf em Juazeiro (BA), Miled Cussa Filho. As indicações foram mantidas no governo Lula.
Como ele mesmo relatou em entrevista ao UOL, Cussa Filho foi demitido após enviar ofícios aos órgãos de controle relatando as irregularidades encontradas nas obras executadas pela Allpha Pavimentações, empresa investigada.

Em depoimento à PF citado por Nunes Marques, Cussa Filho disse que o então presidente da Codevasf se incomodou com seu ofício para os órgãos de controle e o instruiu a procurar Elmar Nascimento, “sem portar celular”, para “restabelecer a confiança” com o deputado e o prefeito Elmo Nascimento.
“Marcelo Andrade afirmou, de forma ríspida, que o conteúdo do referido ofício era excessivamente severo, que não deveria ter sido redigido daquela forma, que o ofício estava ‘pesado pra caralho'”, diz a transcrição do depoimento.
“O depoente não atendeu à orientação de Marcelo Andrade e não procurou o deputado federal Elmar José Vieira Nascimento, nem o prefeito de Campo Formoso/BA, Elmo Nascimento”, e disse ter se sentido coagido. Alguns dias depois, no início de maio, Cussa Filho foi exonerado do cargo.
Para Nunes Marques, embora o cargo de superintendente regional seja de livre nomeação e exoneração, a sequência dos fatos demonstra que sua exoneração teve caráter de retaliação e a ‘sugestão’ feita por Marcelo Andrade a Cussa Filho evidenciam a ocorrência de uma tentativa de obstruir as investigações.
“Nessas circunstâncias, a manutenção do investigado no exercício de suas funções, além de representar risco à dignidade de suas funções, pode comprometer a eficácia da persecução penal diante do receio, fundamentado e concreto, de que possa continuar a se valer de sua posição para interferir na apuração criminal.”
Após sair da Codevasf, Marcelo Andrade ajudou a indicar o novo presidente, Lucas Felipe Oliveira, considerado seu braço-direito na empresa. O nome foi apoiado também pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
O executivo tinha a intenção de assumir um cargo na Odebrecht, onde já tinha trabalhado. A CEP (Comissão de Ética Pública) do governo federal, porém, viu um conflito de interesses na proposta de emprego e determinou que ele ficasse de quarentena remunerada até dezembro, recebendo um salário de R$ 37 mil.
‘Indicação nossa’
Em diálogo analisado pela PF, Marcelo Andrade foi citado por Francisco Nascimento (União), vereador de Campo Formoso e primo de Elmar, como “nosso amigo”, “indicação nossa”. Ele ocupou o cargo de presidente de agosto de 2019 até este ano.
A Codevasf foi criada há cinco décadas para financiar projetos de agricultura irrigada, combater a seca e trazer desenvolvimento ao vale do São Francisco e Parnaíba, atuando no semiárido — seu nome é a sigla de Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.
É uma estatal dependente do orçamento federal, que existe para executar políticas públicas, mas cujo uso foi direcionado, nos últimos anos, para compra de máquinas agrícolas e projetos de pavimentação com finalidade eleitoral.
Por isso, seu orçamento foi inflado após serem criadas as emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto. De R$ 1,2 bilhão em 2019, foi para R$ 3,3 bilhões em 2022 (em valores atuais, R$ 2 bilhões e R$ 3,6 bilhões). Neste ano, está um pouco abaixo desse patamar, com R$ 2 bilhões para gastar.
Foi justamente o uso das emendas do orçamento secreto que culminou na investigação em Campo Formoso. Em julho de 2022, Elmar pediu que fossem enviados R$ 40 milhões à cidade via emendas de relator.
Esse dinheiro foi usado em duas obras, ambas com verba da Codevasf e vencidas pela Allpha Pavimentações, com suspeita de fraude nas licitações.









