O Globo – Os investigadores da Polícia Federal (PF) afirmam ter encontrado “fortes indícios” de que o escritório de advocacia de Carlos Vieira Filho, filho do presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira, foi usado como intermediário para o pagamento de propina milionária no esquema que favorecia interesses e concedia licenças ambientais fraudulentas ao setor de mineração. Para a PF, os repasses seriam direcionados pelos líderes da organização criminosa ao diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM) Caio Mário Seabra, preso na Operação Rejeito na última quarta-feira (17).
A informação consta da representação da PF que embasou as diligências e também da decisão judicial que autorizou a representação.
O advogado, porém, afirma que as informações da PF são falsas e que nunca sequer conheceu o diretor da ANM. “Toda essa história é uma injustiça. Vamos peticionar ao juiz demonstrando que nada disso aconteceu e vamos reverter a decisão”, afirma Vieira Filho.
Segundo a investigação, Seabra, da ANM, atuou a favor dos interesses da empresa Aiga Mineração em uma disputa com a Vale pelos direitos a uma pilha “valiosa” de rejeitos em uma mina de Ouro Preto (MG). A Aiga é controlada pelo chamado núcleo de lideranças do esquema, formado por Alan Cavalcante, o ex-deputado estadual João Alberto Lages e Helder Adriano de Freitas.
Os rejeitos, retirados de uma mina da Vale, se espalharam em uma área da Aiga, que reivindicava a posse do material.
Mensagens obtidas pela investigação sugerem que o diretor discutiu diretamente com os empresários caminhos para a ANM reconhecer os direitos da Aiga de explorar os rejeitos depositados pela Vale na área disputada. Também demonstram que os investigados contrataram o escritório do qual Vieira Filho é sócio, o Queiroga, Vieira, Queiroz & Ramos Advocacia, para defender o direito da Aiga sobre as terras em questão no processo da agência. Segundo um trecho do contrato que consta da representação, os serviços seriam prestados por um pró-labore de R$ 300 mil, com previsão de honorários de R$ 2,7 milhões, que só seriam pagos caso o colégio de diretores da agência decidisse a favor do grupo.
Mas a PF afirma que o documento só foi assinado dez dias depois do voto de Seabra, que incluiu trechos que contemplavam exatamente os pleitos da mineradora. O diretor agora investigado pela PF contrariou três pareceres técnicos da própria ANM e uma nota jurídica do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) que atestavam enfaticamente o direito da Vale e entregou a pilha de rejeitos à Aiga. Ainda assim, foi aprovado pela diretoria por unanimidade.
O escritório de Vieira Filho, porém, afirma que o texto do contrato usado pela PF não corresponde ao documento efetivamente assinado e diz que ele não foi assinado depois do voto.
Além do atropelo técnico, uma série de incongruências também chamou a atenção dos investigadores.
A primeira é que, de acordo com a Polícia Federal, o escritório de Carlos Vieira Filho não protocolou qualquer peça ou documento a favor do pleito da Aiga no processo que tramitou na ANM . Isso apesar do contrato assinado entre a mineradora e a defesa incluir a chamada “cláusula de sucesso”.
Para a PF, há “indícios de que Carlos Vieira e seu escritório de advocacia não prestaram nenhum serviço relacionado ao êxito do processo” que justificasse a remuneração milionária. Os advogados também contestam essas afirmações e afirmam que apresentaram petições relacionadas ao caso tanto na ANM quanto na Justiça Federal. Um deles é justamente o fato de que a procuração que outorgava poderes ao escritório de Vieira Filho teria sido assinada apenas dez dias após a decisão que favoreceu a empresa – ou seja, quando o objetivo a ser alcançado pelos advogados já tinha se concretizado.
O documento foi encaminhado em um grupo de WhatsApp com os líderes do esquema após um deles, Cavalcante, conversar com Carlos Vieira Filho por telefone já em dezembro de 2024. No diálogo, o empresário cobrou o pagamento “daquele êxito”, em referência aos honorários supostamente devidos ao Queiroga, Vieira, Queiroz & Ramos Advocacia pela Aiga.
No mesmo dia, Alan Cavalcante e João Alberto Lages acertam por WhatsApp uma reunião com o diretor da ANM em sua casa em Belo Horizonte três dias depois – que a PF suspeita ter sido feita para que os diretores entregassem o dinheiro. Para a Polícia Federal, todos esses elementos indicam “que os valores do contrato foram, na verdade, direcionados como vantagem indevida a Caio Seabra”.
A representação também cita outras evidências de que o escritório de Vieira Filho nunca prestou serviços reais aos líderes do esquema – como por exemplo a mensagem trocada entre Alan Cavalcante e João Batista Lages em 20 de dezembro de 2024, quase dois meses após a decisão da ANM a favor da Aiga, indicando que a organização criminosa elaborava peças jurídicas assinadas pelo escritório, embora não esteja especificado a quais processos elas se referem.
“O Gustavo [Rezende, sócio da Aiga] está de plantão, o Rafael [Brandão, apontado como laranja do grupo] também está pegando os pontos, porque a gente tem que juntar todos esses pontos tecnicamente para entregar para o Carlos [Vieira Filho] a peça praticamente pronta, porque o pessoal não é bom tecnicamente, a gente tem que dar subsídio a eles”, disse Cavalcante em um áudio encaminhado ao comparsa. Com atuação conhecida em Brasília, o advogado tem entre seus sócios a advogada Camilla Ewerton Ramos, esposa do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Newton Ramos.
O pai de Carlos Vieira Filho, funcionário de carreira da Caixa, foi indicado para a presidência do banco em outubro de 2023 na cota do então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Apesar da decisão do partido de Lira de romper com o governo Lula, Vieira segue firme no cargo.









