Com informações do G1 – A Polícia Civil e o Ministério Público seguem investigando um esquema de desvio de emendas parlamentares na Câmara Municipal de Ipojuca, no Grande Recife. As apurações indicam que os recursos públicos foram destinados a associações de fachada localizadas em outros municípios, sem estrutura ou competência técnica para executar os projetos contratados.
A TV Globo teve acesso ao relatório do inquérito. Segundo o documento, entre as entidades investigadas, estão a Associação de Skate de Pernambuco, com sede em Paulista, na Região Metropolitana, e o Instituto de Gestão de Políticas do Nordeste (IGPN), sediado em Catende, cidade da Zona da Mata Sul que fica a mais de 100 quilômetros de Ipojuca.
O esquema envolvia o uso de emendas parlamentares impositivas, instrumento pelo qual vereadores destinam parte do orçamento municipal, geralmente em torno de 2% da Receita Corrente Líquida, para projetos e áreas específicas. No caso investigado, os recursos deveriam ser aplicados em serviços de saúde em Ipojuca.
A investigação começou em 2024, quando a polícia recebeu uma denúncia de que a Associação de Skate de Pernambuco, localizada a 75 km da cidade, ia receber mais de R$ 5 milhões. Diante dos indícios de irregularidade, os recursos foram redirecionados para outras instituições; entre elas, o IGPN.
O IGPN foi o maior beneficiário das emendas parlamentares, recebendo mais de R$ 6 milhões em menos de um ano. Contratado para atuar na área de saúde mental em Ipojuca, o instituto foi criado em Barreiros, outra cidade da Zona da Mata Sul, e, recentemente, teve sua sede transferida para Catende.
A TV Globo esteve em Catende e conversou com moradores da cidade, que relataram desconhecer o funcionamento da entidade. A polícia não encontrou funcionários no local indicado como sede.
Três pessoas ligadas à instituição tiveram a prisão preventiva decretada e estão foragidas:
Geraílton Almeida da Silva: considerado um dos principais articuladores do esquema, ele teria criado o IGPN e cooptado seus próprios funcionários para atuarem como “laranjas” e, depois, destituiu os colaboradores, passando a controlar a entidade por meio de pessoas próximas;
Júlio César de Almeida Souza, primo de Geraílton e apontado como diretor financeiro do IGPN;
José Gibson Francisco da Silva, presidente do instituto.
“Ele [Geraílton] cedeu o local que pertencia a ele, em Barreiros (cidade da Zona da Mata Sul) e ficava em frente à sua loja de material de construção. Pegou seus funcionários e colocou como presidente e vice do instituto. Posteriormente, ele destituiu todos os funcionários e quem passa a gerir a associação são as pessoas ligadas a ele, que são de Catende, local para onde eles transferem a associação”, explicou o delegado Ney Luiz Rodrigues.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/t/K/ccpaHXSBuZVNRQHmlpmw/desvios-emendas.transfer-frame-1154.jpeg)
Outros suspeitos
Outro suspeito procurado é Gilberto Claudino da Silva Júnior, representante do Instituto Nacional de Ensino, Sociedade e Pesquisa (Inesp), também conhecido como Complexo Educacional Novo Horizonte do Ipojuca.
De acordo com a denúncia, o Inesp recebeu repasses milionários do IGPN para cursos de capacitação, com planos de trabalho considerados inconsistentes e orçamentos inflados. Segundo a polícia, Gilberto fugiu horas antes do cumprimento de um mandado de prisão preventiva.
Até o momento, três pessoas foram presas: Maria Netania Vieira Dias, esposa de Gilberto Claudino e responsável pela elaboração dos projetos das associações; e as advogadas Edjane Silva Monteiro e Eva Lúcia Monteiro, irmãs que atuavam na Rede Vhida, outra instituição usada para desviar recursos, segundo as investigações.
Conforme as investigações, Edjane e Eva desempenhavam papéis centrais no esquema, atuando como elo entre as associações envolvidas. A Polícia Civil investiga também a possível participação de vereadores no esquema.
O que diz a Câmara de Ipojuca
Procurada, a Câmara de Vereadores de Ipojuca informou, por meio de nota, que no ano de 2023, destinou emendas para a Associação Pernambucana de Saúde, mas que, por falha de funcionário do setor, o CNPJ que seguiu no documento foi o da Associação de Skate. A instituição disse que adotou medidas para garantir que esse tipo de erro não se repita.
Segundo a Câmara, o setor de análise da Prefeitura de Ipojuca constatou, na época, que o CNPJ não correspondia ao nome da instituição indicada e acionou o Legislativo municipal.
Após ajuste, de acordo com o órgão, as emendas foram destinadas para um novo destinatário: a Associação Filhos de Ipojuca, que trabalha por meio de emendas parlamentares desde 2019 e fornece serviços de saúde nas áreas de pediatria, cardiologia, clínica geral, psiquiatria, entre outras.
A Câmara de Vereadores afirmou, ainda, que vai adotar novas medidas de controle da destinação de emendas parlamentares, como:
recomendação disciplinando o processo interno de aferição de capacidade mínima e idoneidade das instituições beneficiadas;
obrigatoriedade de realização de curso de capacitação por parte dos membros das entidades;
oferecimento de cursos pela Escola Legislativa da Câmara do Ipojuca, destinado a membros diretivos de OSC’s e funcionários do Legislativo e do Executivo municipais.
A Câmara Municipal informou também que, até o momento, não foi procurada pela Justiça e que, nem a Casa Legislativa nem qualquer vereador são objetos de medida judicial.
O que dizem as defesas dos investigados
O advogado Elmo Monteiro, que faz a defesa das advogadas Edjane Silva Monteiro e Eva Lúcia Monteiro, afirmou à TV Globo que aguarda o julgamento de habeas corpus e que a prisão é injusta e descabida.
“São advogadas e foram presas no exercício da profissão. O nosso estatuto da advocacia dá direito a prisão especial. Neste caso, como não há uma sala de estado maior no sistema prisional, especificamente nas prisões femininas, então o juiz poderia aplicar medidas cautelares diversas da prisão preventiva”, disse.
Já a defesa de José Gibson Francisco da Silva e Júlio Cesar de Almeida Souza declarou que houve “graves omissões na investigação que induziram o Poder Judiciário a erro”. Segundo a defesa dos investigados, foram formuladas durante o processo “acusações gravíssimas” sem realizar diligências básicas de verificação, demonstrando precipitação e ausência de rigor técnico.
A defesa de José Gibson e Júlio Cesar disse, ainda, que o inquérito está sob sigilo e afirmou que os dois “são inocentes e mantiveram condutas profissionais regulares em conformidade com a lei”.









