A notícia criminal (art. 41 do CPP), como a jornalística, deve descrever o fato, indicar o agente, o motivo, os meios empregados, a maneira por que a praticou, o malefício que produziu, o lugar e a época. Os operadores do Direito sabem não ser possível dois processos em face da mesma pessoa, pelos mesmos fatos. Recebida a denúncia, outra não poderá ser formulada.
TJPE HC 0018766-10.2010.8.17.0000 – PE. Ementa: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DUPLICIDADE DE DENÚNCIAS SOBRE O MESMO FATO. CONSTRANGIMENTO EVIDENTE. ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. Rel. Des. Fausto Campos.
A Denúncia do MP, contra Lula, em julho, acusa-o do crime previsto na Lei de Organização Criminosa, com agravante do art. 62 do Código Penal.
Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
O Procurador do MP assim descreve a conduta do acusado:
1. “Sobre a contratação da Schahin Engenharia pela Petrobrás, para “compensar” a dívida do PT, os depoimentos citados nas fls. 2044-20435 referem a “benção” de LULA no negócio”.
2. “E, pelo menos nessa atividade de obstruir as investigações contra a organização criminosa, DELCÍDIO aponta LULA como sendo o chefe da empreitada.”
3. “Aqui, a narrativa de DELCÍDIO se demonstrou clara, … corroborada pela existência das reuniões prévias que realizou com LULA antes de BUMLAI passar a custear os valores destinados a comprar o silêncio de Cerveró.”
4. “Ressalte-se que a existência das reuniões3 foi confirmada por LULA em seu Termo de Declarações, prestado à Procuradoria-Geral da República.”
5. “LULA atuou diretamente com o objetivo de interferir no trabalho do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Ministério da Justiça, seja no âmbito da Justiça de São Paulo, seja do Supremo Tribunal Federal ou mesmo da Procuradoria-Geral da República”.
A tipicidade é a adequação da conduta à norma penal protetora do bem jurídico. Tipo é o conjunto de elementos que descrevem o delito, é modelo abstrato de conduta, construído por expressões linguísticas.
A conduta é descrita em todas as suas circunstâncias e deve ajustar-se perfeitamente `regra proibitiva. . Se faltam elementos, o fato é atípico e o agente não pode ser punido.
Eis os núcleos verbais contidos na Denúncia.
1) Os depoimentos “referem” a benção de Lula;
2) Delcídio aponta Lula como sendo o chefe;
3) Reuniões prévias que Delcídio realizou com Lula;
4) Lula atuou com objetivo (intenção) de INTERFERIR no trabalho do Poder Judiciário.
Informa, ainda: “O chefe da organização criminosa está sendo buscado em investigações conduzidas pela Procuradoria-Geral da República”.
Não cita núcleos verbais da lei incidente: IMPEDIR, EMBARAÇAR.
O verbo “Interferir” pode, licitamente, ser ação de qualquer personagem do processo: Juiz, Procurador, acusado, Juiz da instância superior etc.
Interferir, do Latim, é inter+ferire – ferir, fazer, agir, dentro de.
Lei anterior não prevê interferência como crime.
A Denúncia não diz que Lula tentou comprar o silêncio de Cerveró.
O aditamento não aponta qualquer conduta delitiva. Não aponta sequer a tentativa. Não traz nada de novo e só produz efeito de blindagem. Protege-o de outra ação, mais consistente, sobre os mesmos fatos.
Se tramita Ação Penal, por mais vazia que seja, outra não poderá ser promovida. É o Princípio de non bis in idem. A Denúncia está baseada na fala de Delcídio, que não traz indicação de prova de CONDUTA.
Das delações, o que o MP aproveita é o que diz no aditamento.
Lula parece dormir tranquilo. Nem mesmo a intenção de IMPEDIR ou EMBARAÇAR pesou na doce acusação.
Delcídio disse que Lula concedeu sua bênção. Não diz que mandou pagar, que coagiu alguém à prática de delito. Inexistindo adequação da conduta de Lula à norma primária proibida pela lei penal, não se aplica a norma secundária, a sanção.
Aparentemente, Lula está a salvo de processo sério, com verdade real, sobre o mesmo fato. A Mídia não notou isso. Houve descuido?
Por Rômulo Lins – Advogado.







