Por Carlos Eduardo Mansur, enviado especial de O Globo
SOCHI – Deveriam ter colocado um palco no centro do campo, um destes cantores pop a se apresentar e celebrado a abertura da Copa em Sochi. Claro que os donos da casa alegraram sua gente com uma goleada, que os gols do Uruguai e do Irã quase ao apito final foram carregados de dramaticidade, mas o futebol, sob o ponto de vista da qualidade do jogo, estreou na Copa no 3 a 3 de portugueses e espanhóis.
Talvez não tenha sido, propriamente, o 3 a 3 de portugueses e espanhóis. Porque este é um daqueles jogos que ensinam algumas coisas. Como o tamanho do equívoco de se medir carreiras e representatividade histórica por títulos. Não é tão provável, embora seja até possível, que Portugal seja campeão do mundo. Mas Cristiano Ronaldo não depende desta taça para ser um jogador legendário, comparável a qualquer outro artilheiro que o jogo produziu, em qualquer tempo.
Não é de todo um engano a imagem de que houve dois confrontos no campo. O Portugal x Espanha, teriam vencido os espanhóis. Com mais jogo. Mas eles não derrotaram Cristiano. Este, é muito difícil bater. Há noites em que está intratável.
Disposto a provar que este esporte, cada vez mais pendente das ideias, da maneira de pensar futebol, algo tão próprio desta Espanha que ofereceu muitos minutos lindamente jogados, também pertence aos jogadores de exceção. E Cristiano é um deles. Um time de um lado, um homem do outro. Este homem fez todo o estádio de Sochi ter certeza de que presenciava um jogo para a história das Copas.
Ele foi o dono dos destinos de um clássico que ofereceu qualidade técnica, competição, beleza, gols… E um painel do que cada um dos times, candidatos a esta Copa, tem para oferecer. E é até justo dizer que o empate em cima da hora dá um sabor doce para Portugal, mas não é demais ponderar que este time poderia oferecer mais. Mas quanto menos oferece, mais Cristiano intercede.
Foi dele o gol que criou as condições ideais para o jogo de Portugal: sofreu o pênalti duvidoso de Nacho, cobrou e permitiu a Portugal defender. Quando a Espanha havia empatado, finalizou com força suficiente para provocar a falha grotesca de De Gea. Quando tudo parecia perdido, disputou uma bola até levar a falta, talvez na única decisão errada de Piqué no jogo, e cobrou com a frieza e precisão de quem tem uma força mental acima do comum. Um animal competitivo, em permanente transformação, dono de um repertório interminável.
Mas por que ele precisou fazer tanto para levar Portugal a um empate? Primeiro, porque havia virtudes do outro lado, e delas falaremos a seguir. Mas porque parece tão arraigada neste time português a ideia do “saber sofrer”, do competir, que a maneira como os outros dez que não se chamam Cristiano Ronaldo se condicionam a marcar atrás, perto do próprio gol, inibe talentos que, hoje, existem. Este Portugal tem mais recursos do que na Eurocopa vencida há dois anos, melhores coadjuvantes para Cristiano. É possível jogar mais. Como mostrou, por exemplo, Bernardo Silva em algumas passagens.
E a partir da metade do segundo tempo, quando perdia por 3 a 2, Portugal pareceu escasso de ideias quando precisou ter a iniciativa. Dava poucas sensações do empate. Errado dizer que não dava nenhuma, porque a presença de Cristiano é a sensação permanente do gol.
Tamanha exibição não encobre o poder das ideias. Estas, representadas pela Espanha. A capacidade de se agrupar, triangular, achar espaço pelo passe e pelo controle permanente da bola estavam lá. Sinal de que a crença no estilo se sobrepõe a todo tipo de adversidade: a demissão de um técnico na antevéspera, um gol com três minutos, um frango…
E, Cristiano à parte, havia intérpretes espetaculares do outro lado. Iniesta, enquanto as pernas suportaram, ofereceu uma cátedra de gerenciamento do meio-campo. Silva e Isco, ambos brilhantes, juntando-se por vezes do mesmo lado do campo, geravam triangulações, lindas associações. É possível argumentar que os dois primeiros gols não foram à espanhola. Sim, a finalização não foi. O time se torna mais eclético para aproveitar, também, o que tem de melhor Diego Costa, um “nove” contracultural, de força. Mas foi o estilo que gerou tanto volume de jogo, o volume que resultou na bola parada do segundo gol. Não veio ao acaso. O terceiro gol, trabalhado, foi de grife.

Apesar do empate, Portugal tem muito mais potencial para ser mostrado nessa Copa
O que também não significa dizer que se exibiu uma Espanha perfeita. Quando conseguiu seus desarmes no ataque, instalando-se no campo rival, deu uma aula de controle. Mas quando é pega diante do contra-ataque rival, quando precisa correr para trás, a chamada “transição defensiva” por vezes beira o desastre. Mas a maior virtude do time deu ao segundo tempo uma linda aula prática de como defender sem trair a essência de seu jogo e a essência do futebol: o manejo da bola.
Parecia um “rondo”, a roda de bobo que os espanhóis tanto usam em treinos para trabalhar posse, ocupação de espaço, progressão no campo. E, neste ponto, a entrada de Thiago foi marcante.
A Espanha tinha mais jogo. Mas veio a bola longa, a falta, Cristiano Ronaldo. Determinados homens são, eles próprios, o jogo.






