Apesar de contar com um plano de saúde oferecido pela Câmara dos Deputados, 330 parlamentares, ou dois terços dos 513, utilizaram serviços de saúde na rede particular e foram reembolsados em R$ 15,7 milhões pela Casa nos dois anos e três meses da atual legislatura. As informações foram repassadas ao UOL por meio da Lei de Acesso à Informação.
Num período de 27 meses, os reembolsos a esses 330 deputados foram de R$ 581 mil mensais, em média. Ou o equivalente a R$ 1.762 por mês a cada um dos deputados.
Por ano, a Câmara gasta R$ 134,35 milhões com o plano de saúde dos deputados, estendido aos dependentes. O convênio não cobre esse gasto extra dos parlamentares.
Os ressarcimentos desse tipo são permitidos pela Câmara. Até o começo do ano, reembolsos até R$ 50 mil eram automáticos. A partir desse valor, os deputados encaminhavam a solicitação à Mesa Diretora, que decidia se reembolsava. Em 29 de março deste ano, porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), elevou em 170% esse limite. A avaliação só é pedida pelos deputados quando os gastos ultrapassam R$ 135.400.
O texto assinado por Lira em Ato da Mesa diz que “essa atualização corrigirá a natural defasagem monetária de um valor fixado no ano de 2015”. A inflação acumulada entre março de 2015 e março de 2021 medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), porém, foi de 36,4%.
Se esse tivesse sido o percentual aplicado, o limite passaria de R$ 50 mil para R$ 68.200. Procurada, a Câmara afirma que o percentual foi calculado pela “inflação médica, a chamada Variação de Custos Médico Hospitalares (VCMH)², que tem superado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”.
Para a Associação Contas Abertas, que estuda gastos públicos, o aumento do teto autorizado por Lira “foi injusto sob o ponto de vista social”.
Ligia Bahia, doutora em saúde pública e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), lembra que “o plano da Câmara não dá direito ao Albert Einstein e ao Sírio-Libanês, então eles usam esses hospitais e pedem reembolso direto”.
Mais reembolsos solicitados Os atuais deputados têm solicitado mais reembolsos do que na legislatura anterior. Entre 2019 e 2020, os parlamentares requisitaram a devolução de R$ 13,4 milhões, alta de 71% em relação ao período entre 2015 e 2016. Naquela época, foram reembolsados R$ 7,8 milhões, em valores corrigidos pela inflação. Entre janeiro de 2019 e 31 de março deste ano, 26 parlamentares foram reembolsados em mais de R$ 100 mil. Cinco lideram:
- Teresa Nelma (PSDB-AL) – R$ 2.028.389,78
- Nilson Pinto (PSDB-PA) – R$ 735.412,68
- Célio Moura (PT-TO) – R$ 693.568,49 Haroldo Cathedral (PSD-RR) – R$ 627.070,72
- Gonzaga Patriota (PSB-PE) – R$ 371.641,33
Todos os cinco parlamentares foram questionados se não haveria privilégio em ter um plano médico, receber salário bruto no valor de R$ 33.763 e mesmo assim conseguir reembolsos da Câmara, enquanto a maioria da população não pode recorrer a essa verba mesmo quando sofre acidente ou adoece gravemente. O único que respondeu foi Gonzaga, para quem “a Câmara poderia dar uma informação melhor”.
Deputados já têm plano com cobertura nacional
Os deputados já têm direito a um plano de saúde com cobertura nacional, ligado à Caixa Economia Federal. Ao custo de R$ 268,7 milhões para o biênio 2020-2021, o convênio, estendido aos dependentes, cobre as áreas médico-hospitalar, odontológica, fisioterápica, fonoaudiológica, psicossocial, médica domiciliar e psiquiátrica.
Para ter direito, o deputado que aderir ao plano contribui mensalmente com R$ 630 e 25% sobre o valor de cada despesa médica. Suplentes em exercício também têm direito, enquanto ex-deputados podem continuar participando desde que contribuam com R$ 3.187,51.
Além do plano, a Câmara oferece uma estrutura médica em suas dependências com direito a 70 médicos, tomógrafo e UTI (Unidade de Terapia Intensiva) móvel.
“Raramente os deputados usam o plano da Câmara ou o SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirma Ligia Bahia, da UFRJ.
Para Castello Branco, da Associação Contas Abertas, os reembolsos “refletem a enorme desigualdade existente no país, agravada nos últimos anos”.
“O Brasil tem atualmente cerca de 15 milhões de desempregados e seis milhões de desalentados que deixaram de procurar emprego”, diz . “O escárnio é esses milhões de brasileiros bancarem hospitais caríssimos para as excelências enquanto frequentam hospitais abarrotados e demoram às vezes meses para conseguirem um exame banal.”.