Por Marcello Corrêa e Ana Paula Ribeiro do O Globo
BRASÍLIA E SÃO PAULO – Depois de 16 meses, a taxa básica de juros voltou a cair no Brasil. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu nesta quarta-feira reduzir a Selic de 6,5% para 6% ao ano. O corte de 0,5 ponto percentual surpreendeu boa parte dos analistas, que esperavam redução de apenas 0,25 ponto, segundo levantamento da Bloomberg.
O último corte de juros havia sido anunciado em 21 de março do ano passado. A decisão foi influenciada pelo avanço das reformas, em especial a da Previdência, e da necessidade de estímulo à economia. No comunicado, o BC sinalizou que deve continuar a afrouxar a política monetária.
O anúncio ocorre menos de um mês depois da aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Nas últimas dez reuniões, o Copom preferiu operar com cautela, diante das incertezas em relação ao andamento dessa e de outras medidas.
O comitê sempre observou que uma frustração no andamento das reformas poderia ter efeito na expectativa de investidores e, no longo prazo, impactar as projeções para a inflação — principal preocupação da autoridade monetária.
O efeito da votação da reforma da Previdência na Câmara foi notado pelo Copom. A proposta foi aprovada em primeiro turno na Casa no início de julho. O colegiado emitiu um comunicado muito parecido com o divulgado após a última reunião, realizada em junho, mas decidiu inserir uma menção a um “avanço” das reformas. Até junho, os diretores se limitavam a destacar a importância do andamento das reformas, sem reconhecer uma melhora no cenário.
“O Copom reconhece que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira tem avançado, mas enfatiza que a continuidade desse processo é essencial para a queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia.
O Comitê ressalta ainda que a percepção de continuidade da agenda de reformas afeta as expectativas e projeções macroeconômicas correntes. Em particular, o Comitê julga que avanços concretos nessa agenda são fundamentais para consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva”, diz a nota.
No texto, a autoridade monetária deu outra sinalização importante: deve continuar a reduzir juros. A dica está no parágrafo em que os diretores reconhecem que a política monetária pode ser também uma ferramenta para estimular a economia. Em tese, ao reduzir a taxa básica, os custos de financiamento tendem a cair, beneficiando empresas e famílias.
O comunicado do BC reconhece isso e diz que o cenário favorece a continuidade dessa política. Mas não crava que um próximo corte já está contratado, ao lembrar que uma revisão de expectativas pode fazer a autoridade monetária colocar o pé no freio.
“O Comitê avalia que a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir ajuste adicional no grau de estímulo. O Copom enfatiza que a comunicação dessa avaliação não restringe sua próxima decisão e reitera que os próximos passos da política monetária continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”, pontua.
O Copom tem mais três reuniões até o fim do ano. Até semana passada, o mercado apostava que a Selic fecharia 2019 em 5,5% ao ano. Como o processo de redução da taxa começou mais acelerado do que o esperado pela maioria do mercado, é possível que essas previsões sejam calibradas.
A economia ainda não decolou após a grave recessão entre 2015 e 2016. Nos últimos meses, economistas do mercado financeiro têm reduzido para baixo suas projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. A mediana das previsões hoje, segundo o mais recente boletim Focus, é de crescimento de apenas 0,82% neste ano.
O anúncio do Copom ocorre no mesmo dia em que o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) também reduziu juros. Foi a primeira vez, desde 2008, que a autoridade monetaria americana cortou a taxa básica, justificando preocupações com a economia global.
Bom, mas não suficiente
Na avaliação de economistas, ao optar por iniciar o processo de redução de juros com um corte de 0,50 ponto percentual, o Copom sinaliza que a Selic terá, até o final do ano, um corte maior do que o esperado.
– A decisão do Copom reforça que os juros podem cair um pouco mais. Antes, a expectativa era de um ciclo em torno de 100 pontos-base (o que significa uma redução total de 1 ponto percentual). Agora, vejo ao menos 125 pontos (1,25 ponto percentual) – disse Flavio Serrano, economista-chefe do banco Haitong.
Essa expectativa é reforçada pelo fato do Copom, no comunicado, ter afirmado que a inflação está em “níveis confortáveis”, ou seja, a autoridade monetária não vê um risco inflacionário.
E embora o corte seja positivo para quem quer fazer compras financiadas ou empresas que queiram investir, Serrano lembra que a simples redução da economia não estimula a economia, uma vez que as condições de emprego e renda ainda estão deterioradas.
– O corte de juros melhora um pouco a confiança, mas as ações de política monetária têm um efeito defasado na economia. É um impulso mais para o ano que vem. A queda da Selic e a liberação do FGTS dão algum suporte no curto prazo, mas para a gente sair do buraco do baixo crescimento, precisamos de reformas estruturais – afirmou.
Anna Reis, economista-chefe da GAP Asset Management, também acredita que o corte neste ano ficará acima de um ponto percentual. No entanto, lembra que o Copom destacou que é preciso que as reformas econômicas tenham continuidade para garantir novos cortes de juros.
– O BC ainda vê como risco preponderante o avanço das reformas. Dessa forma, ele mantém um certo grau de liberade e não se compromete com decisões futuras – avaliou.
Logo depois do anúncio da decisão do Copom, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse que não teve a oportunidade de comentá-la com Bolsonaro, mas disse que a percepção colhida no dia-a-dia com o presidente é que “ele está bastante satisfeito com isso”.
– Ele vem inclusive advogando, já há algum tempo, por meio da sua percepção, que isso seria muito interessante para a economia. E o Banco Central, dentro de toda a tecnicalidade que lhe é peculiar, avançou neste sentido […] uma expectativa positiva que isso possa reverberar em prol da sociedade, em prol da economia – declarou Rêgo Barros.







