Pedro Capetti do Jornal O Globo
RIO E BRASÍLIA — A estratégia digital no WhatsApp que ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro permanece em atividade. A tática é a mesma de meses atrás: grupos pró-governo tentam resolver crises explorando pautas ideológicas e contra-atacam setores como a oposição e o Judiciário. Em momentos de baixa popularidade, até mesmo o presidente retorna à plataforma, que ganha verniz de canal oficial.
A mensagem apócrifa, encaminhada por Bolsonaro na sexta-feira a contatos pessoais no WhatsApp, que classifica o país como “ingovernável fora de conchavos”, circulou em grupos, mobilizando novamente o batalhão de apoiadores.
De toque em toque, o exército digital — e informal — busca se organizar em uma das semanas mais difíceis da gestão. No início deste mês, após o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciar o contingenciamento de 30% nos repasses de três instituições de ensino, o WhatsApp foi inundado de fotos antigas de pessoas nuas, capas de monografia das ciências humanas sobre sexualidade e pichações em locais descontextualizados.
BOLHA PERMANENTE
Grupos pró-governo continuaram ativos após as eleições
Das 30 imagens mais compartilhadas em WhatsApps pró-governo em maio, 17 eram referentes ao que bolsonaristas chamaram de “balbúrdia” nas universidades federais.
Os dados são do projeto Eleições sem Fake, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que monitora cerca de 350 grupos na internet desde o ano passado. A concentração de mensagens se repetiu, em menor grau, no decreto de armas e em ataques ao Supremo Tribunal Federal.
Na sexta, das cinco mensagens mais compartilhadas no grupos acompanhados pelo Monitor do Whatsapp da UFMG, quatro estavam relacionados à mensagem encaminhada por Bolsonaro.
Nos grupos, o texto foi editado, ressaltando, logo no início, que a mensagem foi repassada pelo presidente. Também é acompanhado de uma convocação para manifestação marcada para o dia 26 de maio.
Apoio em massa fake
Para especialistas, o efeito prático dessa estratégia é mostrar que as falas do presidente recebem apoio em massa da população, ainda que não encontrem respaldo comprovado na opinião pública.
A tática tem sido a utilização de imagens muitas vezes verdadeiras, mas sem o contexto em que foram captadas, ou até mesmo ataques diretos. O método, muitas vezes, resulta em desinformação, uma vez que distorce ou omite fatos.
— Percebemos que, de repente, chega um determinado tópico e ele é inundado. Um certo tema se torna o assunto do WhatsApp. Isso acontecia muito na eleição, e percebemos esse tipo de padrão. De repente veio essa inundação novamente, com essas imagens — avalia o professor de Ciência da Computação Fabrício Benevenuto, responsável pela plataforma.
Desde 2018, o pesquisador da UFF Viktor Chagas analisa 150 grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp. Após um período de menor interação, com a saída de usuários no pós-eleição, ele percebeu, no início do ano, uma rearticulação da engrenagem.
A estratégia segue a mesma, com células piramidais de apoio divididas entre os grupos “de ataque”, em que o administrador publica um determinado link que deve ser disparado em massa; e os grupos públicos, de maior organicidade e com mais de um moderador, nos quais é permitido interagir. Números de telefones do exterior seguem presentes nesses grupos.
Temas morais têm mais destaque na ação dos grupos, aponta Chagas:
— É interessante ver como esses grupos se articulam em função das estratégias governamentais. No momento em que Bolsonaro aciona determinado tema, sobretudo moral, essa rede é articulada para ganhar maior repercussão. Vimos isso no carnaval, no episódio do “golden shower”.
Esses temas morais são os que causam maior impacto, acionam um conjunto de afetos que mobilizam o sentimento conservador e reacionário que constitui o coletivo desses grupos.
Para Chagas, as diferenças entre o movimento na eleição e agora estão relacionadas ao fluxo de informações entre os usuários. Antes ocorriam todos ao mesmo tempo.
Agora, são ciclos que podem compor uma agenda maior. Segundo ele, no entanto, ainda não é possível detalhar o funcionamento dessa engrenagem:
— Há um tratamento profissionalizado das redes. Por quem ele é conduzido, como ele é executado, ainda é difícil obter respostas .
Oficialmente, o governo federal usa um sistema de divulgação de informações pelo WhatsApp, que é dividido em três canais: para notícias sobre o Palácio do Planalto e a agenda do presidente, destinado a profissionais de imprensa; para conteúdos de interesse de estados e municípios, voltado a autoridades; e para assuntos de interesse dos servidores, como capacitação, concursos e serviços.
A publicação de Bolsonaro, na última sexta, passa ao largo do caminho institucional.
Foi por meio de um desses canais que um servidor do Planalto divulgou por engano, segundo a Secretaria de Comunicação Social (Secom), um vídeo comemorativo do golpe de 1964, no último dia 31 de março.(Colaborou Gustavo Maia)






