Por Fausto Macedo, do Estadão – A Polícia Federal descobriu a ‘laranja’ do desembargador João Ferreira Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, para lavar parte do dinheiro de propinas que ele teria recebido em troca de venda de sentenças. Alice Terezinha Artuso, filha adotiva do magistrado, teria sido a ‘intermediária’ de um repasse de R$ 1,8 milhão para Ferreira Filho fechar a compra de imóveis de luxo em Cuiabá.
O Estadão pediu manifestação do desembargador, de Alice e também da mulher dele, Maria de Lourdes Guimarães Filho. O espaço está aberto.
Ao Conselho Nacional de Justiça, o desembargador negou enfaticamente, por meio de sua defesa, ligação com venda de sentenças na Corte estadual. Ele diz que a alegada incompatibilidade entre seus rendimentos e gastos ‘é imprecisa’.
Alice é servidora do Tribunal de Justiça. Em 2022, ela foi deslocada para a Assembleia Legislativa onde ocupava cargo comissionado.
Por ordem do ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, ela foi afastada das funções, teve o sigilo quebrado e bens bloqueados.
A mulher do desembargador, Maria de Lourdes, também teve os dados bancários e fiscais abertos. Ela é funcionária da Corte estadual e igualmente está fora do cargo.
Alice e Maria de Lourdes estão proibidas de deixar o País e de frequentar a sede do Judiciário estadual.

Relatório de Informação de Polícia Judiciária (IPJ) acostado aos autos da investigação sobre o desembargador destaca papel determinante de Alice na lavagem de propinas via a ocultação de valores ilícitos. Ferreira Filho está afastado da Corte desde agosto de 2024. Ele é alvo de procedimento administrativo disciplinar.
A pista sobre Alice surgiu a partir de informações do Relatório de Informação Financeira (RIF) número 115694 do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Os dados do RIF ‘descortinam indícios de que Alice Terezinha Artuso recebeu o montante de R$ 1.863.500 de uma empresa agropecuária, pessoa jurídica que tinha como sócio o advogado Roberto Zampieri’.
Apontado como ‘lobista dos tribunais’, Zampieri foi assassinado a tiros em dezembro de 2023 à porta de seu escritório em Cuiabá. Ele era muito próximo do desembargador e teria exercido papel preponderante no comércio de sentenças no Tribunal de Justiça.
Por meio de seus advogados, o desembargador sustenta que os diálogos resgatados do celular do lobista ‘não indicariam, em absoluto, proximidade entre o desembargador e o advogado assassinado’. Em seu entender, ‘as conversas travadas diretamente entre as partes, por meio de seus aparelhos celulares pessoais seriam meramente protocolares, sendo certo que os interlocutores não se falavam com frequência, podendo as respostas demorarem dias, o que seria indicativo de afastamento entre as partes’.
42 boletos
A investigação mostra que, após receber o montante de R$ 1,863 milhão da agropecuária, em um espaço de dois meses, Alice efetuou o pagamento de pelo menos 42 boletos no valor total de R$ 910.092,88 em favor de duas empresas imobiliárias, por meio das quais o desembargador fechou a compra de apartamentos de alto padrão.
A PF constatou que Alice Artuso, ‘em complemento’, teria realizado pagamentos também em favor de uma outra empresa de empreendimentos imobiliários no total de R$ 875 mil.
A quebra do sigilo bancário e fiscal de Alice aponta que ela não comprou imóveis. Essa informação, na avaliação dos investigadores, reforça a suspeita de que a filha adotiva de Ferreira Filho era sua ‘laranja’.
O inquérito aponta que o desembargador adquiriu um apartamento avaliado em R$ 3,7 milhões, pelo qual declarou à Receita ter pago o valor de R$ 59,6 mil em 2020 (ou cerca de R$ 85 mil atuais), uma diferença 43 vezes menor.
Outros dois apartamentos comprados por Ferreira Filho também foram declarados em valores bem inferiores sobre o verdadeiro desembolso – 21 vezes e 28 vezes, respectivamente.









