Por Cássia Almeida, no Globo — “Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos, e vai sair melhor do que começou”. Assim, sem dispensar o humor refinado, uma marca pessoal, o economista e ex-ministro Antonio Delfim Netto olhava as perspectivas para o Brasil no fim de 2015, em meio ao aprofundamento da crise econômica e aos sinais já bastante claros do turbilhão político, que meses depois levaria ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O homem do milagre econômico, Delfim esteve à frente do Ministério da Fazenda entre março de 1967 e março de 1974, durante as presidências de Costa e Silva e Emílio Médici, na ditadura militar. Foi neste período que o PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos no país) deu um salto e chegou a crescer 14% ao ano – mas numa expansão fortemente concentradora de renda e que foi calcada em desequilíbrios que levariam o país a crises anos depois.
A arrancada do “Brasil grande” sofreria o primeiro baque com a crise internacional do petróleo, em 1973. Além de um arrefecimento no ritmo de expansão, veio a conta do modelo desenvolvimentista empregado no milagre: forte endividamento externo, uma vez que os investimentos dos anos anteriores vieram de empréstimos junto a governos e organismos internacionais; forte elevação da inflação com a alta do preço do petróleo; e aumento da desigualdade entre os brasileiros. Do slogan “Ninguém mais segura este país”, restou a estagnação econômica e inflação galopante da década de 1980.
Em entrevista ao GLOBO em março de 2014, pouco antes de completar 86 anos, Delfim foi veemente ao negar interferência dos militares na gestão econômica, e também rebateu a ideia de que sua gestão à frente do Ministério da Fazenda foi facilitada pelo regime de força. Segundo ele, tudo o que foi feito caberia num período de democracia plena.
-Nunca houve milagre. Milagre é efeito sem causa. É de uma tolice imaginar que o Brasil cresceu durante 32 anos seguidos, começando na verdade em 1950, a 7,5% ao ano, por milagre.

‘Brasil cresceu porque trabalhou’
Então, como o país cresceu?
-Porque o Brasil trabalhou, poupou, aumentou sua participação externa, reduziu a inflação – disse Delfim.
Sobre as alegações de adversários de que aquele salto fora forjado à custa de um arrocho salarial, endividamento externo e manipulação de preços, rebateu ainda:
-Todos melhoraram, mas alguns melhoraram mais que outros. Quem eram esses que melhoraram mais? Exatamente aqueles que tinham sido privilegiados com educação superior e cuja demanda cresceu enormemente no processo de desenvolvimento. Tinha um exército industrial de reserva enchendo o primeiro decil (os 10% mais pobres). E tinha um número muito restrito, no décimo decil (os 10% mais ricos), de pessoas que tinham sido beneficiadas pela educação. Ampliou a distância entre eles, mas todos melhoraram. É coisa muito simples. E as pessoas diziam: “Você queria primeiro crescer e depois distribuir”.
Foi a época das grandes obras. Com financiamento externo e sob um regime de exceção, os governos militares construíram a Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, a Usina hidrelétrica de Itaipu e a Refinaria de Paulínia, entre outros.
Mas as políticas desenvolvimentistas da década de 1970 legaram ao país sérios problemas de desequilíbrio externo, o que acabou levando o país à hiperinflação que marcou o início da redemocratização.









